[Crítica originalmente publicada na revista Metropolis nº65, Janeiro 2019]

Há uma forte consciência individual e coletiva do impacto das mudanças ocorridas num determinado momento neste nostálgico resgate que Alfonso Cuarón faz de todo um período da sua vida. O cineasta mexicano regressou ao país onde nasceu e cresceu para filmar, pela primeira vez, em 17 anos, desde o galardoado «E a Tua Mãe Também». Escolheu o bairro de Roma na cidade do México, para retratar uma vivência de uma família de classe média – a mãe, que cuida dos filhos, o pai, um médico que sustenta a família, a avó que vive em casa… e a empregada Cleo, personagem inspirada na mulher que trabalhava em casa da família de Cuarón.
Através da observação desse núcleo familiar, «Roma» diz-nos muito sobre relações entre pais e filhos, marido e mulher, patrões e empregados. Fala do abismo de classes, da insegurança das mulheres, de uma sociedade machista, e de uma época marcada por convulsões e lutas sociais em defesa de direitos civis.

O filme gravita em torno de Cleo (Yalitza Aparicio), uma mulher que optou por viver as rotinas de outra família para organizar a sua vida. Infância, adolescência, casamento, infedilidades e divórcio, amores e desamores, maternidade. Cuarón olha para aquela família através desta mulher e esse é o seu testemunho, a sua perspetiva e memória.

Progressivamente, vai saindo do espaço da casa e sentindo a rua, as relações e costumes, o mal estar social que é dramatizado na cena nuclear do filme sobre o El Halconazo, como ficou conhecida a repressão violenta de jovens mexicanos que protestavam contra as mudanças na educação, em 1971.

Os planos longos, cuidadosamente iluminados através de um fotografia cheia de textura, profundidade e contraste, definem quadros sequência onde as personagens se movimentam (vivem o seu quotidiano…). Cada quadro é uma composição, ora singular, ora grandiosa, mas sempre carregada de poesia. E o filme avança adquirindo, com essa respiração temporal, a dimensão narrativa de um épico.

Nunca tínhamos visto um filme de Cuarón assim tão belo, sentido, contemplativo, inesperado e melancólico. Num certo sentido tão latino e mexicano. Os seus valores de produção, que serão amplamente premiados com diversos Óscares, consolidam a estratégia da Netflix de obter um reconhecimento cinematográfico através do seu modelo de produção destinado a janela pequena. Mas «Roma» fica encolhido no ecrã da Netflix. Em Portugal, ao contrário do que sucede noutros países, temos a oportunidade e o privilégio de ver o filme em sala e esse continua a ser o lugar onde cabe o grande cinema.

Título original: Roma Realização: Alfonso Cuarón Elenco: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Diego Cortina Autrey. Duração: 135 min México/EUA, 2018

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