«Rodeo» é o magnífico trabalho de estreia de Lola Quivron. Uma obra que venceu o Prémio Coup de Coeur do Júri na secção Un Certain Regard no Festival de Cinema de Cannes em 2022. É uma história a grande velocidade em termos de emoções e acção. Julia (Julie Letrue) tem aquilo que se costuma chamar de “pêlo na venta”, e estar zangada é o seu estado natural. A calma chega depois da tempestade se a jovem estiver montada numa mota e, quanto mais potente, maior é o seu sorriso rasgado. É um sentimento de puro êxtase e alegria genuína. A jovem de um subúrbio pobre de Bordéus só consegue saciar o seu desejo através do conto do vigário, num esquema onde ilude os vendedores de motas. Estes deixam-na experimentar as máquinas e Julia dá a grande fuga. O seu desejo de encontrar a felicidade e uma tribo fá-la deixar a sua casa e juntar-se a um gang que quando não está a fazer estragos passa o dia a fazer acrobacias loucas e a sacar cavalinhos numa estrada isolada.

A condição feminina é colocada à prova num mundo tipicamente misógino que considera que as mulheres são bimbas e troféus. Alguns membros sentem-se ameaçados quando surge uma espécie de amazona, sem um pingo de medo. Julia encontra o seu lugar no seio do grupo mas descobre outra mulher que está reprimida, Ophélie (sólido desempenho de Antonia Buresi), a mulher do chefe que está na prisão e controla com mão e ferro a esposa e os jovens do gang. «Rodeo» tem uma interessante combinação emocional e visual, entre o realismo in your face e o lado onírico quando Julie está em cima da mota ou mesmo a sonhar com a sua viagem ao desconhecido. O som é forte e cru, tal como os sentimentos de «Rodeo». Fortes batidas sonoras a paredes meias com os acordes dos motores.
Creio que muitos jovens, e não só, se vão encontrar nesta personagem central. Especialmente o andar à deriva, à procura de um porto de abrigo, sempre com duas pedras na mão como modo de autodefesa. Mas também percebemos que há um lado carinhoso, altruísta e de desapego ao dinheiro – mesmo sendo o seu sonho um assalto a um camião de motas em movimento, esta é uma motivação para atingir o estatuto de lenda.

É claramente um daqueles filmes que vai atrair públicos inesperados quando descobrirem paralelismos temáticos e de acção com o primeiro «Velocidade Furiosa» (2001). E não afirmamos isso como um handicap, ou se preferirem um defeito, antes pelo contrário, amamos o cinema e tudo aquilo que nos permita refletir e mexer com a nossa alma. Penso que as pessoas não podem estar em caixas e enclausuradas em géneros e tendências, devemos estar abertos a experimentar todas as filmografias.

«Rodeo» é um fascinante retrato social e pessoal, um argumento com uma sensibilidade tocante e arrasadora. É uma obra profundamente contemporânea sobre os outsiders do nosso mundo. É um retrato perfeito de uma jovem em busca do seu lugar e o cinema de Lola Quivron demonstra que há outras formas de saber elevar-nos para outro patamar existencial, diria mesmo, transcendental. É impossível ficar indiferente perante a vitalidade de «Rodeo» e o cinema de Lola Quivron.

Título Original: Rodeo Realização: Lola Quivoron Elenco: Julie Ledru, Yannis Lafki, Antonia Buresi Duração: 105 min. França, 2022

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº94, Junho 2023]

https://www.youtube.com/watch?v=DbNwWkoaJMw
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