“É o dia mais feliz da minha vida”, gritou João Arruda (interpretado por Rafael Paes), dirigindo-se euforicamente para a porta da rua, ignorando os avisos dados pelo caseiro que previa o pior. Aquele dia “felizardo”, o 25 de Abril de 1974, hoje uma celebração que adquiriu o digno título de “Dia da Liberdade”, é, para todo o caso, o último dia daquele jovem sonhador que cresceu num país errado. Infelizmente, não esteve sozinho nesse “derradeiro amanhecer”; juntamente com mais quatro, morreu à porta da Sede da PIDE durante a sua repentina desmantelação. As suas histórias, timidamente encobertas para não defraudar a romantização do dia, foram pouco a pouco investigadas, desvendadas e divulgadas, nem que seja através do livro de Fábio Monteiro (“Esquecidos em Abril: Os mortos da revolução sem sangue”), o qual serviram de mote ao realizador após a sua descoberta macabra – “Afinal morreu gente na Revolução Sem Sangue!!”

Rui Pedro Sousa, que há uns anos havia corado alguns e ainda mais outros com a curta “Tsintty” (2013), desafia a sua cadência aventurando-se nessa história fatídica contada a quatro vozes, “Revolução (Sem) Sangue”, enquanto primeira longa-metragem. Com a colaboração da espanhola Filmax, o filme faz uso da sua investigação para enriquecer em detalhes e ficções fortalecidas deste lado distante de capitães de Abril e Salgueiros Maias. É um drama vivido com as suas ingenuidades e vitalidades, desejoso de gritar e, nesse termo, entre um ou outro plano mais sóbrio, temos aquilo que podemos chamar “cinema para massas nacionais”, sem sentidos alarves nem ambições de pequeno ecrã.

Poderia mencionar vários realizadores da nossa praça cujo discurso de cinema popular falha redondamente no mais pequeno propósito que Rui Pedro Sousa conseguiu na sua primeira tentativa em grande: nunca encarar o espectador como idiota e, acima de tudo, dignificar a sua dramaturgia. Não estabelecendo “Revolução (Sem) Sangue” como um exemplo maior, a sua arquitetura encontra-se enguiçada para vontades futuras e invejáveis.

Mas … há sempre um “mas”. Existem fragilidades, algumas das quais imperativas num filme-homenagem. O final, caindo num tributo sonoramente pesaroso, vénia aos familiares, faz perder a consequência da sua ficção pela esmagadora competição com a realidade. Por outras palavras, cede em demasia aos sentimentos, sendo que a frieza, talvez contra os desejos de entes queridos, catapultaria o filme para voos maiores. Contudo, existem opções felizes, entre elas Diogo Fernandes na pele de Fernando Reis, militar endiabrado, cuja intriga se entende como o centro narrativo e a visão crítica político-sociológica do filme.

Título original: Revolução (sem) Sangue Realização: Rui Pedro Sousa Elenco: Helena Caldeira, Diogo Fernandes, Rafael Paes Duração: 103 min. Portugal, 2024

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº105, Abril 2024]

https://www.youtube.com/watch?v=qhvwkrq3CMs&list=PL2sho5pF094eZ1wmB6xANJfWrLm4_oEKO&index=2

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