A Pixar continua a debitar maravilhas animadas, há vários anos que produz ininterruptamente marcos cinematográficos sem paralelismo. Conserva o melhor do legado de Walt Disney de mãos dadas com a animação de vanguarda. Estes altos padrões de qualidade fazem com que os espectadores mantenham uma das melhores parcerias de que há memória com o grande ecrã.
«Ratatui» é um deleite visual, uma bela receita animada para todas as idades, a sua simplicidade de enredo e a arte visual impar criam um mundo encantado onde ratos e humanos produzem “magia” das mais diversas formas.
«Ratatui» realmente não soa apenas a delícia gastronómica também soa a rato mas não se deixem assustar pelas criaturas. Uma delas assume o papel central desta divertida comedia com um coração dourado. Os ratos vivem para comer à excepção de Emile (Patton Oswalt). O herói do filme, é um genial ratinho com os sentidos apurados que sabe misturar os sabores da comida, criando combinações extraordinárias, descobrindo, inventando e inovando: a comida bem feita é música que se come. A sua experimentalidade gastronómica leva-o a admirar um humano em especial o chefe Gusteau (Brad Garrett). Paris é a capital da culinária mundial é aí que se encontra o famoso restaurante com o nome do chefe. O destino estava traçado para o ratinho de campo que vai desaguar, após uma fuga atribulada, até ao restaurante. Esta fuga em massa do clã campestre é uma das melhores sequências do filme, é também um flasback que prova que em 5 minutos a Pixar faz maravilhas que outros demoram 90 minutos a desenvolver.
Entretanto Gusteau faleceu e passa a ser o anjo da guarda de Emile orientando-o para ser o melhor cozinheiro do mundo, com muita vontade todos podem ser grandes na cozinha. O mesmo não se pode dizer de Alfredo Linguini (Lou Romano), a outra face da aventura, um aspirante de cozinha que não tem mesmo jeito nenhum para a alta ou “baixa”, culinária.
O restaurante de Gusteau é agora liderado por Skinner (Ian Holm) um chefe minorca em todos os sentidos que ambiciona a via do pronto a comer e dos congelados para enriquecer, levando o restaurant a perder estrelas e clientes face ao seu desmazelo culinário. No meio da hierarquia de chefes e sub chefes da copa, Linguini vai tornar-se uma estrela culinária graças ao mini-chefe Emile que se esconde no seu chapéu e manobra os movimentos deste. É um rescrever animado da expressão cozinhar de olhos fechados. Esta brilhante relação de amizade entre rato e homem é uma fotografia para a posteridade, o diálogo gestual e a forma de comunicação entre ambos cria belos momentos de ternura e amizade no ecrã. A sequência que antecipa este encontro, a perseguição pela cozinha, demonstra aos heróis de carne e osso de como se expressa a emotividade perante o thrill é também uma penetrante forma de mise en scene. Visionamos o background do restaurante, da dispensa à copa passando pela sala de refeições visualizando também os diversos personagens que compõe o Gusteau. Brad Bird, o realizador do filme, volta repetir esta façanha pelas ruas de Paris mas esta cena em particular, prova que não basta criar é preciso fazer acontecer e tal qual o herói que compõe através dos seus pratos combinações exuberantes Bird faz o mesmo com a sua realização. Cozinhar e realizar grandes momentos animados não é para todos. O pano de fundo deste registo não podia ser mais belo: Paris é uma bela cidade para se sonhar com o infinito.
Os paladares apelativos vão encontrar obstáculos. A perfeição gastronómica e o seu sucesso colocam Linguini em perigo na cozinha. Skinner desconfia dos seus súbitos dotes de culinária e Colette (Janeane Garofalo) não aprecia a sua aparente falta de modéstia. Obviamente um segredo será revelado e as paixões vão desflorar entre Linguini e Colete, alienando o mini-chefe Emile.
Um grande chefe não deve apenas agradar os clientes em Paris deve-se submeter ao rigor crítico de Ego (Peter O’Toole) que exige uma perspectiva fresca: o que não gosta ele não engole. Emile contorna os obstáculos e abre uma visão primária do imaginário do exigente crítico Gusteau. Este personagem é brilhante, um crítico na torre de marfim que se encontra com o seu intimo através de uma revelação gastronómica o seu coração se abre para além do cinismo.
Os familiares de Emile precisam de comer e evitar à caça e a maldade humana face aos pequenos roedores, porque os ratos não abandonam o ninho fazem-no maior. Na altura de todas as provas Emile demonstra: que é um rato que sabe encontrar harmonia na copa; que nem todos os humanos são maus; a família é tão importante quanto as nossas paixões. Aprende também uma importante lição, que natureza é arbitrária dando rótulos sem conhecermos as pessoas que nos rodeiam é errado. Em certa medida na vida a verdade por vezes parece uma loucura por mais que pareça mentira e os senhores da lanterna animada são os génios que nos fazem acreditar no impossível criando uma fábula moderna inspirativa.
A magia do filme tal como o prato final o ratatui (“uma simples receita camponesa”) está no minimalismo e linearidade da narrativa criando uma apresentação leve para num filme satisfaz as mentes dos mais requintados espectadores elaborando deste modo um filme perfeito.
Título original: Ratatouille Realização: Brad Bird, Jan Pinkava Elenco (Vozes): Patton Oswalt, Ian Holm, Lou Romano, Brian Dennehy, Peter Sohn, Peter O’Toole, Will Arnett. Duração: 111 min. EUA, 2007
[Crítica publicada originalmente no site Cinema2000, Agosto 2007]