Quem diria que Knutby, uma aldeia pacata, estaria no centro de um crime macabro? A série documental «Pray, Obey, Kill» analisa um dos homicídios mais sonantes da história moderna na Suécia.
Costuma dizer-se que a religião e a fé já serviram muitas vezes para camuflar os crimes mundanos, e em «Pray, Obey, Kill» a religião não tarda a ser enquadrada na história. Na sequência de um homicídio consumado e outro tentado, em 2004, uma jovem aparentemente inofensiva acaba por ser detida e confessar que praticou os crimes como mensageira de deus. À medida que as peças se vão encaixando, uma comunidade Pentecostal assume o protagonismo e instala-se um autêntico media circus.
Em «Pray, Obey, Kill», os jornalistas Martin Johnson e Anton Berg recuperam o misterioso caso de um pastor Pentecostal, Helge Fossmo, que foi detido por, alegadamente, ser o responsável pelas ações da ama Sara. Depois de 16 anos atrás das grades, o acusado aceita falar com os jornalistas, mencionando factos que, na altura, diz não ter tido coragem de confessar. Aos poucos, e com acontecimentos e intervenientes entrecruzados, o espectador vai percebendo melhor tudo o que aconteceu.
Mais do que uma tentativa de inocentar os supostos perpetuadores, «Pray, Obey, Kill» procura dar respostas às perguntas que não foram feitas em 2004. Há pontas aparentemente soltas, aspectos usados como prova que não são coerentes com os relatórios forenses, e um lado obscuro na congregação de Knutby, terminada em 2016. Ou seja, estamos perante todos os ingredientes que agradam aos fãs de documentários true crime, com a mais-valia de a dupla de jornalistas apostar na análise fundamentada e em provas, ao invés de uma abordagem mais sensacionalista.
A realização é da responsabilidade de Henrik Georgsson (The Bridge, Stieg Larsson – The Man Who Played With Fire), que a assume de uma forma direta, crua e fria, como é do agrado dos fãs de mistério. Para recriar algumas situações é utilizada uma “aldeia em miniatura”, onde todos os espaços visam replicar as estradas e casas à data. A casa de Helge, por exemplo, é totalmente reconstruída, pelo que vemos cada divisão com detalhe.
Por sua vez, a abordagem de «Pray, Obey, Kill» é muito humana. A naturalidade de uma entrevista jornalística, mais leve do que uma policial (à partida), reforça também a humanidade, e respetiva efemeridade, dos intervenientes. A sua fragilidade e exposição, em contraste com as suas crenças, desmistifica a ideia endeusada que tinham de si mesmos. Ou da sua congregação como a mais amada por Jesus, que ali iria buscar a sua noiva, segundo a profecia. Pela lente da modernidade, toda esta aura se desvanece. E o mito, sempre presente, revela-se também a eles como num espelho.
Além do presente, este “espelho” mostra também um passado que talvez preferissem não rever. Estará Helge realmente por detrás de tudo? «Pray, Obey, Kill» estreia amanhã, 4, na HBO Portugal.