«Paixão»: o título do filme é, por si só, enganador quanto ao que advém da obra. Há pouca “paixão”; no máximo, desejos recheados de ambição ou equívocos amorosos, mas só. A história centra-se na relação complexa, sensual e altamente competitiva entre duas executivas de uma grande empresa, Christine (Rachel McAdams) e Isabelle (Noomi Rapace). A segunda é fascinada pela primeira, que se aproveita de todas as suas fragilidades. Entre humilhações e traições, começa uma verdadeira guerra discreta mas implacável entre ambas, com algum terror psicológico à mistura.
Brian de Palma regressa à realização, após alguns anos de ausência, o que também aumentou as expectativas em relação a este filme, prejudicando-o de alguma forma. De Palma optou por um remake de um filme até bastante recente: «Crime d’Amour» (2010), de Alain Corneau. Os seus intentos acabam por não resultar da melhor forma.
O argumento será, porventura, o grande defeito de «Paixão». O início é demasiado moroso e pouco entusiasmante, ganhando velocidade apenas no último acto. O resultado é uma história confusa, mas previsível, onde o suspense é residual, fazendo com que repensemos se este será mesmo um thriller na verdadeira acepção da palavra. Certo é que o erotismo entra apenas de relance, já que os momentos que exigem maior confronto passional são retratados de forma amena e pouco ameaçadora, como se poderia pedir pelo inusitado arrojo da história original.
O filme é protagonizado por uma dupla querida em Hollywood: Rachel McAdams e Noomi Rapace. Enquanto par cinematográfico, a parceria acaba por ter alguma química, mas, individualmente, o resultado não é tão positivo. McAdams tinha em mãos uma personagem rica em malvadez e dissimulação, mas fica-se apenas pela aposta na sensualidade e um leve ar ameaçador, que, embora necessários na composição de Christine, ficam aquém do desejado. Já Rapace acaba por ser algo caricatural em alguns momentos, esperando-se um pouco mais da sua Isabelle, uma personagem tão dúbia e complexa. Quanto ao resto do elenco, há um marasmo interpretativo surpreendente e desleixado.
O melhor de «Paixão» acaba por ser a realização e a fotografia, que tentam munir a obra de algum suspense narrativo. Reconhece-se, assim, a marca do realizador Brian de Palma. Intimista, dramática e misteriosa, a realização envolve o espectador num clima de dúvidas entre o onírico e o real, sem saber o que é, de facto, verdade. Na relação entre as personagens, ainda há espaço para um split screen impactante, onde o ballet e o crime são aliados na ilusão e no dramatismo narrativo, que tem o seu clímax num final surpreendente.
«Paixão» talvez não tenha sido a melhor forma para Brian de Palma regressar ao grande ecrã, ficando aquém das elevadíssimas expectativas. Mas o seu brilhantismo está lá, apesar do argumento erróneo e da previsibilidade insistente.
Título original: Passion Realização: Brian De Palma Elenco: Rachel McAdams, Noomi Rapace, Karoline Herfurth. Duração: 102 min EUA/Arménia/Mónaco/Alemanha, 2012
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº11, Julho/Agosto 2013]
https://www.youtube.com/watch?v=pk9LDQex2Cs