One Second abre San Sebastián apostando no esplendor visual de Zhang Yimou
Rodrigo Fonseca em San Sebástian
Longe de ser uma unanimidade, visto como um apoiante do regime chinês por alguns e como um transgressor pelos seus fãs, Zhang Yimou só une as vozes que se dividem acerca de sua obra no quesito visual: no requinte plástico, o seu cinema sempre foi imbatível. Tem sido assim desde a sua vitória na disputa pelo Urso de Ouro de 1988, com «Milho Vermelho», drama pelo qual ele tornou o audiovisual moderno da China um objeto de fetiche para a cinefilia mundial. Jamais teríamos conhecido Jia Zhag-Ke ou Wang Xiaoshuai sem ele. E isso vai desde as suas narrativas mais existenciais, como «Nenhum a Menos», o vencedor do Leão de Ouro de 1999, ou mais pop, caso do blockbuster «Herói», de 2002. E é essa faceta exuberante que abriu a edição número 69 de San Sebastián, nesta sexta-feira, no norte da Espanha, materializada numa ode ao histórico analógico das telas, chamada «One Second». É um drama de Zhang Yimou sobre amizade e paternidade, que tem um rolo de um cinejornal como o seu eixo.
Com a nomeação da longa, cujo título original é «Yi Miao Zhong», para inaugurar sua 69ª edição, neste 17 de setembro, San Sebastián pôs um ponto final em um dos maiores escândalos políticos do cinema: apelidado de “O Caso Zhang Yimou”. As aspas se referem a um incidente da seleção de 2019 de um outro evento, igualmente importante, a Berlinale, na Alemanha. Em 2019, «One Second», um dos filmes mais recentes do mestre chinês responsável por pérolas como «A História de Qiu Ju» (Leão de Ouro de 1992), foi retirado da disputa pelo Urso de Ouro sem aviso prévio. Saiu sem explicação coerente. A justificação dada – não pelo cineasta, mas pelo governo da China, famoso pela sua natureza castradora em relação às obras de arte – foi: a produção ainda não estava 100% finalizada. O rumor generalizado: agentes governamentais teriam reprovado a dimensão política da narrativa de Yimou, no seu olhar para a Revolução Cultural, censurando-a para cortes. No ano passado, o filme, baseado em um romance de Yan Geling, foi lançado em terras asiáticas, sem alarido algum. Mas não havia sinal algum de essa tocante produção, com ecos de «Cinema Paradiso», ter espaço no Ocidente. Isso mudou quando Jose Luis Rebordinos, diretor artístico de San Sebastián, resolveu convidar a longa para abrir sua maratona, incluindo-a na corrida pela Concha de Ouro de 2021.
No enredo de «One Second», um fugitivo de um campo de trabalho no noroeste desolado da China, vivido por Zhang Yi (com esmero) foge do cárcere no que se supõe ser a década de 1960. Ele vai atrás de um projecionista que possui um rolo de documentário jornalístico. O tal rolo contém imagens da filha que ele perdeu. Mas, em meio dessa busca, a película é surripiada por uma adolescente (Fan Wei), que deseja transformar o material em argamassa para uma luminária para o seu pequeno irmão. A jovem e o fugitivo vão engatar um jogo de gato e rato pelo carretel jornalístico, criando uma inusitada amizade nesse processo. Uma amizade que Yimou desenha de modo lúdico, apresentando (ou reapresentando a seu público) a dinâmica de um tipo de cinema não digital.
Ambientado numa região desértica, fronteiriça a uma montanha, a narrativa se ampara no enquadramentos requintados de Jingzgi Zhao para retratar uma paisagem arenosa com uma luz saturada. Yimou nunca teve medo da beleza. E essa nova longa-metragem farta-se do direito de ser bela.
Antes dela, San Sebastián conferiu um curta documental do veterano Carlos Saura, «Rosa Rosae. La Guerra Civil», que usa diferentes gravuras para rever o passado turbulento da Espanha franquista. San Sebastián segue até o dia 25 de setembro.
https://youtu.be/Ej7FSmzijNE