Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival 2022

Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival 2022

A 9ª edição do Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival regressa a Lisboa já no dia 14, prolongando-se até dia 20 de Novembro, e está melhor do que nunca. Agora são sete dias de cinema, dois espaços de exibição – cinema São Jorge e Cinemateca, 52 filmes produzidos em 26 países (Portugal incluído) e um convidado muito especial: o Líbano, acompanhado do melhor cinema dos 50 últimos anos do país.

Concentrando a programação sobre o país convidado na Cinemateca, entre os dias 14 e 16, a programação prossegue depois para o cinema São Jorge, nos dias 17 até ao encerramento do festival, no dia 20. Além destas novidades, o Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival vai, ainda, oferecer um prémio especial INATEL para a melhor curta-metragem de escola portuguesa.

A Metropolis falou com as co-directoras do Festival, Sara David Lopes e Silvia Di Marco, sobre esta nova edição, os principais destaques e, sobretudo, como é que depois de uma pandemia e de todos os desafios que “o primeiro e mais antigo festival de cinema no feminino em Portugal, e o único dedicado à cinematografia da bacia do Mediterrâneo”, tem enfrentado, o entusiasmo e a vontade de fazer cada vez melhor prevalecem no espírito da equipa organizadora. Sonhos não lhes faltam e ainda bem, pois são estes que dão rumo e desenho à vida.

Este ano, o festival traz boas e grandes novidades, como a vossa comunicação reflecte. Mais dias, um país convidado e mais uma sala. Como é que surgiram estas fantásticas ideias?
Tudo começou com a ideia de ter um país convidado. Aliás, de ter o Líbano como país convidado. Falámos desta ideia com o Nuno Sena da Cinemateca Portuguesa, que ficou entusiasmado. A decisão de ter projecções também na Cinemateca seguiu de forma natural, assim como a necessidade de ter mais dias de Festival, para poder acomodar todos os filmes a programar.

Murina
Murina

Depois de dois anos de contenção e com grandes limitações, os grandes desafios que fazem parte da organização de um festival passaram a ser mais “relativos”?
Não. Os nossos grandes desafios continuam a ser os mesmos e não são nada relativos, são bem objectivos. O maior deles prende-se com o facto de não termos uma equipa que esteja permanentemente dedicada ao Festival. Talvez por isso, temos um funcionamento muito orgânico de acção/reacção e vamos superando as etapas à medida que elas surgem. Acrescidamente, durante a pandemia e as últimas duas edições, vivemos as dificuldades que qualquer pessoa teve de enfrentar para programar a coisa mais simples, desde uma festa de aniversário a um festival. Tudo condicionado e sujeito a alterações repentinas e de impacto profundo. Conseguimos, apesar disso, não interromper as sessões presenciais e ainda acumulámos uma parceria, que continuamos, com a FILMIN, passando filmes online.
O que talvez esteja mais “relativo” e não terá a ver com os últimos dois anos, e sim com o crescimento e desenvolvimento do Festival, é percebermos que fazemos o nosso melhor, ainda que haja sempre espaço para melhorar. Portanto, paradoxalmente, a quantidade de “cabelos brancos” que ganhamos em cada edição
do Festival tem vindo a diminuir [Risos].

Este ano, o país convidado é o Líbano. Porquê o Líbano e como sentiram este cinema?
Há três razões, todas elas importantes. Em 2021, fomos ao Beirut International Women Film Festival (BIWFF). Ficámos completamente apaixonadas pela cidade e pelas pessoas. O Líbano já se encontrava numa situação muito difícil, que entretanto piorou, e, apesar de todas as dificuldades, incluindo cortes de eletricidade e falta de gasolina, a cidade estava cheia de vida e conseguiam criar arte, fazer cultura, realizar um festival de cinema. Nesse sentido, ter o Líbano como país convidado numa programação conjunta com o BIWFF é uma forma de homenagear o país e quem lá vive.
Por outro lado, interessa-nos o facto de o Líbano ser um concentrado de cultura, vitalidade e diversidade, mas também um palco de conflitos profundos e antigos. Nesse sentido, é um espelho que amplifica o universo do Mediterrâneo, ponto de partida do nosso Festival. Por fim, mas não por último, há razões nitidamente cinematográficas. O cinema
libanês é, sem dúvida, um dos mais vitais no panorama dos países de língua árabe e provavelmente o único com uma realizadora, Nadine Labaki, conhecida internacionalmente pelo grande público. Pensámos, portanto, que seria muito
interessante trazer a Portugal as obras de outras realizadoras deste país menos famosas.

Para o ano, já têm em mente qual será o país convidado?
Temos algumas ideias, mas ainda nada de definido. Para o ano, os Olhares celebram 10 anos e gostaríamos de continuar a inovar, apresentando uma escolha surpreendente.

São 52 filmes, produzidos em 26 países. Sentiram alguma temática ou género mais em destaque, ou é uma selecção muito heterogénea?
A selecção é muito heterogénea, como acontece sempre no nosso Festival, porque queremos espelhar a diversidade de interesses das cineastas do Mediterrâneo. Contudo, foi interessante para nós receber várias curtas (ficção, documentário e animação) que abordam explicitamente a sexualidade feminina. Algumas podem ser vistas na sessão de 17 de Novembro às 19h30. Além disso, a maioria das longas-metragens que programamos apresentam mulheres rebeldes. Não foi uma decisão prévia, surgiu espontaneamente durante a programação e achamos que reflete o espírito dos tempos.

Este ano têm um novo prémio – um prémio especial INATEL para a melhor curta-metragem de escola portuguesa. Em que consiste o prémio e como pode efetivamente ajudar os novos cineastas?
A Fundação INATEL já nos apoia há várias edições e este ano instituiu este prémio. O apuramento “incluirá exclusivamente filmes cujas equipas criativas (realização, produção, argumento, fotografia ou montagem) integrem mulheres de nacionalidade portuguesa ou estrangeiras residentes em Portugal há pelo menos um ano, e a partir
da qual será eleita a obra vencedora (curta-metragem de qualquer género cinematográfico)” e tem o valor de 500€. Esta secção tem também o apoio da BLIT, um laboratório de produção audiovisual, que oferece a execução de um DCP à curta vencedora de entre todas as curtas a concurso na secção Começar a Olhar.
Quando conversámos sobre isso, decidimos atribuí-lo às jovens realizadoras, por acharmos que isso poderá impulsionar de forma mais impactante o seu percurso e encorajá-las a continuar a sua carreira de cineastas. A secção Começar a Olhar é muito acarinhada por nós e gostamos de pensar que é importante para as jovens
realizadoras, não só porque divulga o seu trabalho, mas também porque lhes abre a possibilidade de explorar o meio dos Festivais e lhes permite vivenciar todos os processos de candidatura, selecção, promoção, etc.

Under the Fig Trees
Under the Fig Trees

Sei que é difícil destacarem filmes ou momentos, pois todos serão válidos e interessantes, mas gostariam de deixar algum “do not forget” para os nossos leitores? Alguma palestra, workshop ou convidado, que não podem mesmo perder?
Achamos que imperdível mesmo é todo o nosso Festival [Risos].Há filmes e actividades para todos os gostos, mas gostávamos de destacar a presença de Heiny Srour em Lisboa. A nossa realizadora libanesa convidada estará presente para apresentar os seus dois filmes (na Cinemateca) e dará também uma masterclass. Foi a primeira mulher árabe a apresentar um filme em Cannes, em 1974 (filme que passamos no dia 16) e é uma mulher muito interessante que terá sem dúvida histórias incríveis para partilhar connosco.
Destacamos os nossos debates, um sobre transsexualidade, outro sobre a escravatura institucional das empregadas domésticas no Líbano e outro sobre a incontornável Palestina, seus quotidianos e resistências. Todos eles na sequência de projecções, permitem-nos conversar de forma séria, mas informal, sobre realidades que estão muito para lá da nossa vivência comum. Salientamos ainda a projecção do filme Novíssimas Cartas Portuguesas, que por ter entrado já tarde na nossa programação não lhe conseguimos dar o merecido destaque. Trata-se de um filme que celebra os 50 anos das “Novas Cartas Portuguesas” das três Marias e contará com a presença de vários dos elementos envolvidos.

Que maravilha, mais uma edição deste festival tão precioso ao fim de 9 anos e com uma pandemia pelo meio, que retrospectiva fazem desta grande aventura?
Olhando para trás, custa a crer que tenham passado quase dez anos desta grande aventura, como lhe chamas. O que começou como uma espécie de brincadeira, foi evoluindo e hoje sentimos que o Festival está bem estruturado e conquistou um espaço no panorama cultural lisboeta e internacional. Isso é muito gratificante e dá-nos muito alento para prosseguir. Pelo caminho, conseguimos muitos apoios, de várias naturezas, financeiros, mas não só, muitos incentivos e com muita ginástica e criatividade temos conseguido superar os constrangimentos orçamentais, que são o maior entrave a que tudo se consiga fazer.

Se tivessem todo o financiamento do mundo, todas as salas do mundo à vossa mercê, todos os convidados disponíveis… em que é que seria diferente o vosso festival?
Seria um festival itinerante, que percorreria Portugal e todos os países do Mediterrâneo. Não só as cidades, mas também, e sobretudo, as vilas e aldeias onde o cinema tem mais dificuldade a chegar e onde há menos condições para organizar encontros e debates. Todas as cineastas seriam convidadas para falar dos seus filmes e encontrar o público. Deixaria de ser competitivo e decorreria ao longo de todo o ano: o ponto de partida seria Lisboa – com uma grande festa, muitas sessões de cinema e muitas actividades paralelas – e a seguir espalhar-se ia, como as ondas
de choque de um terramoto. Mas um terramoto ao contrário, que constrói em vez de destruir.