Follow that dream… «O Último Elvis» podia muito bem ser lido como uma versão negra desse êxito imortalizado em 1962 pelo Rei, o verdadeiro. Houve um tempo em que os sonhos serviram de mensageiros dos deuses, justificaram guerras, pacificaram nações. Freud descobriu neles uma janela para o inconsciente, o lugar por onde espreitam os nossos desejos mais secretos. Mas quando o desencantamento abrange todos os aspectos da nossa vida, também os sonhos passam a ser maioritariamente vistos como o resultado da colisão aleatória de memórias, já quase não passam de impulsos electroquímicos no cérebro. É extraordinário ver um filme em que as personagens têm a coragem de levar os seus sonhos, por mais estapafúrdios que possam parecer, levá-los às últimas consequências. É isso que encontramos em «O Último Elvis», um filme que faz o retrato fascinante de um imitador de Elvis na pequena cidade de Avellaneda, a sul de Buenos Aires.
Carlos Gutierres (John MacInerny) trabalha durante o dia numa fábrica de chapa e à noite assume a personalidade lendária do Rei do Rock. Impecável com o seu excesso de peso, banhos de suor e os brilhantes fatos brancos, ele inunda com a sua poderosa voz e presença esmagadora as salas semi-desertas das recepções de casamento, clubes nocturnos ou lares de idosos onde actua. Mas este não é um simples part-time, confundir-se com Elvis é uma obsessão que o ocupa a tempo inteiro e que domina inclusive a sua vida pessoal e familiar. Aquilo que começa com uma dieta exclusiva à base de sanduiches de banana e manteiga de amendoim, atinge no final dimensões verdadeiramente delirantes.
Há tanto de insensato e de irresponsável quanto de catártico nas escolhas de Carlos. MacInerny, que na realidade é imitador de Elvis e seu fã incondicional, não é, no entanto, actor (é antes arquitecto de formação), é por isso ainda mais surpreendente a confiança e a solidez que empresta a uma personagem complexa, que se encontra sempre na vertigem entre a consciência e a fuga a uma realidade imediata e frustrante, mediana. Ao contrário da sua ex-mulher, Alejandra (Griselda Siciliani), a quem ele chama de “Priscilla”, mesmo nos momentos por ventura mais inapropriados, “Elvis”, como também prefere ser chamado, é incapaz de se comprazer com a notícia da promoção no trabalho de supermercado. A sua ambição, a visão que tem de si próprio não cabe no mesmo quadro de economia de sobrevivência daqueles que o rodeiam e que ele ama. Numa cena terna entre Carlos e a sua filha, Lisa Marie (Margarita López), ele confessa-lhe aquela que é talvez a sua única grande convicção: “quando se acredita muito em algo é preciso segui-lo até ao fim, quem não o faz é infeliz”. Em última análise, a única coisa que nos deve assustar é a infelicidade. «O Último Elvis» marca assim, de maneira discreta mas arrebatadora, a estreia como realizador de Armando Bo – co-argumentista do filme «Biutiful» (2010) –, com uma história absurda e fabulosa, um monumento em ruína.
Título original: El Último Elvis Realização: Armando Bo Elenco: John MacInerny, Griselda Siciliani, Margarita López. Duração: 91 min. Argentina, 2013