Numa Londres vitoriana, um grupo de artistas em contraste com o segmento académico corrente, desejavam retornar aos moldes românticos e góticos da arte de outrora. Eram os chamados pré-Rafaelitas [fundados em 1848], pintores, poetas, e escritores, uma não-vanguarda de autores que prosperaram graças às suas influências sociais, ou, como é sugerido e descrito na intriga central deste «Pior Homem de Londres», resultado num dúbio exercício de curadoria / mercado artístico, esse, levado a cabo por Charles Augustus Howell, o nefasto ser londrino que o título emana.

Com direção de Rodrigo Areias, prolífico produtor [«Listen», «O Barão»] que aqui, cedendo a sua alçada de bastidores, une-se a Paulo Branco para levar este enredo de um português londrino, que tinha tanto de trapaceiro como de genial, e sob as vestes de Albano Jerónimo, reflete na figura “donancoyleana” que o ‘imortalizou’ nas páginas das aventuras de Sherlock Holmes e que o filme, em si, não deixa escapar como easter egg – “Ele poderia ser muito bem um dos vilões dos seus livros.”, uma sugestão dirigida a Arthur Conan Doyle que engaja com essa trivia histórica.

Nesta Londres extraída de Viana do Castelo, deparamos com um gesto à semelhança dos dito manifestos pré-rafaelitas, o de ser seduzido pelas aresta de um cinema passado, neste caso, olhando para o categorizado “filme de época”, Areias procura em cada plano, em cada cenário, exorcizar o romântico aí descansado, desde Visconti nesse seu brilho de luxo, ou nos Oliveiras com doses fortes de injeções de naturalismo, há travellings por galerias a torto e a direito, ou a fotografia sensível de Jorge Quintela que enquadram essas vontades, possivelmente inconscientes. Porém, tendo em conta os cenários escolhidos a olho, o guarda-roupa trazido dos melhores ‘armazéns’, ou a qualidade dos atores – e não só dos estrangeiros aqui convocados (Carmen Chaplin, Scott Coffey, Edward Ashley) como também dos portugueses em questão (Albano Jerónimo e Victora Guerra são os grandes artistas deste quadro) – a sua esquemática narrativa e passividade encaminha «O Pior Homem de Londres» à aproximação de uma certa linguagem televisiva de requinte à la BBC.

E possivelmente, visto que a corrente natural das produções nacionais deságuam na mesma foz, não é de estranhar que veremos o trabalho de Areias estendido, recortado e manobrado como série televisiva para o canal.

Título original: O Pior Homem de Londres Título internacional: The Worst Man in London Realização: Rodrigo Areias Elenco: Albano Jerónimo, Edward Ashley, Victoria Guerra, Carmen Chaplin Duração: 127 min. Portugal, 2024

https://vimeo.com/897245660

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