O encenador Florian Zeller estreia-se na realização de uma longa-metragem com a sua premiada peça teatral Le père, de 2012, vencedora em França de um Prémio Molière para Melhor Peça. A encenação passou pela Broadway e pelo West End, valendo um Tony e um Olivier a Frank Langella e a Kenneth Cranham, respetivamente. O veterano encenador e argumentista Christopher Hampton («Ligações Perigosas», «Expiação»), habitual colaborador de Florian Zeller, foi o co-argumentista nesta adaptação ao ecrã. O filme valeu aos 82 anos o Oscar de Melhor Actor a Anthony Hopkins, um galardão inteiramente merecido numa caracterização magnetizante e profundamente complexa.
«O Pai» é muito mais do que teatro filmado, é a história de uma relação entre um pai (Hopkins) e uma filha (Olivia Colman novamente num desempenho incandescente). O filme não se restringe a uma situação clínica, é um objecto profundamente humano onde se observa a luta para o prevalecimento dos laços familiares. Prisioneiro do labirinto da mente, um homem perde-se entre o passado e o presente, perante a impotência da filha que tenta em vão encontrar o equilíbrio na relação com o pai e a sua vida pessoal.
A acção desenrola-se num apartamento em Londres, mas poderia ser em qualquer parte do mundo. Dentro de quatro paredes, os actores, Hopkins, Colman e um respeitoso ensemble (Mark Gatiss, Olivia Williams, Rufus Sewell e Imogen Poots) expõem com humor, raiva, frustração e, sobretudo, muito amor, uma situação que frequentemente que se abate sobre inúmeras famílias em todo o mundo. A mestria do filme foi apresentar a encruzilhada e o sofrimento da filha mas especialmente colocar-nos na pele de um pai que se debate com a própria realidade. O filtro da doença mental corrói os laços familiares forçando a decisões irreversíveis de filhos que passam a ocupar o lugar dos seus pais cuidando destes no crepúsculo da vida. Não tendo visto a peça teatral, penso contudo que a magia do cinema confere um cunho de viagem vertiginosa na perda da memória e da noção dos acontecimentos na perspetiva do protagonista sujeitando o espectador e o protagonista a questionar-se sobre o real e o imaginário quando se perde a noção do espaço e do tempo no enredo.
Esta obra é um drama adulto com contornos também de um thriller graças à original peça de Florian Zeller que convidou o espectador a entrar na mente de um homem no final da sua vida que tenta agarrar a todo custo a sua independência. É um daqueles filmes intimistas e cerebrais que obteve um valente empurrão de visibilidade com o Oscar de Anthony Hopkins mas que com o passar dos anos e da palavra será um visionamento singular e obrigatório na compreensão de uma trágica realidade.
Título original: The Father Realização: Florian Zeller Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Mark Gatiss. Duração: 97 min. Reino Unido/França, 2020