Por um lado, a possibilidade (quase a certeza…) de que «O Meu Nome É Alice» vai dar um Oscar de melhor actriz a Julianne Moore é qualquer coisa que se colou ao filme como uma espécie de cartão de visita; por outro lado, seria uma pena que tal imagem reduzisse o trabalho da dupla de realizadores, Richard Glatzer/Wash Westmoreland, a um simples “veículo” para a sua admirável actriz principal.

Sublinhemos, por isso, um factor decisivo. Aliás, formulemos a pergunta mais básica de que o filme terá partido. A saber: como colocar em cena a deriva — física e emocional, familiar e social — de uma mulher de 50 anos a quem são detectados sintomas prematuros da doença de Alzheimer?

A pergunta justifica-se tanto mais quanto sabemos que há modelos dramáticos com enorme poder social, quase invariavelmente filiados em retóricas televisivas, que tendem a reduzir tais situações a um determinismo fácil, gratuito do ponto de vista humano, moralista nas suas sugestões “filosóficas”.

Dito de outro modo: «O Meu Nome É Alice» não é um filme em que a personagem central — a Alice interpretada por Julianne Moore — surja tratada como “símbolo” compulsivo de uma situação de sofrimento. Não se trata de suscitar uma piedade mais ou menos complacente e paternalista, antes de colocar em cena um ser humano que vive uma terrível perda de coordenadas da sua própria identidade — o que, afinal, transforma esse ser numa entidade irredutível, impossível de encenar a partir de qualquer padrão mais ou menos universal e unívoco.

Há ainda outra maneira de dizer isto: é mesmo verdade que, nos mais diversos contextos cinematográficos, se tem vindo a manifestar uma preocupação muito real no sentido de (re)valorizar as personagens femininas, de qualquer idade, libertando-as da colagem grosseira a modelos de raiz masculina, para não dizer machista.

Este processo de celebração de genuínas e complexas personagens femininas pode ser visto também como uma (re)valorização do conceito de personagem, tout court. Em vez de um objecto sustentado por estereótipos mais ou menos esquemáticos, com ou sem os célebres “efeitos especiais”, deparamos com seres (muito) vivos como Alice, capazes de mobilizar o nosso olhar, os nossos pensamentos e emoções.

Daí que seja fundamental insistir num outro valor que, deste modo, reaparece com inusitada visibilidade: o actor, a actriz. Lembremos, por isso, que a excelência de Julianne Moore é inseparável das impecáveis presenças de Kristen Stewart e Kate Bosworth (como filhas de Alice) ou Alec Baldwin (o marido). É através de todos eles que nos sentimos envolvidos com a tragédia íntima de Alice.

Título original: Still Alice Realização: Richard Glatzer, Wash Westmoreland Elenco: Julianne Moore, Alec Baldwin, Kristen Stewart, Kate Bosworth, Hunter Parrish. Duração: 101 min. EUA, 2014

[Crítica originalmente publicada na revista Metropolis nº26, Março 2015]

https://www.youtube.com/watch?v=oGN9b_KJb_8
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