A saga Bourne nasce em 1980, pela mão do veterano escritor de thrillers Robert Ludlum, que com “The Bourne Identity” cria uma fascinante aventura onde combina elementos da literatura de espionagem e acção com uma clara desconfiança face à acção de serviços governamentais que agem à revelia dos seus mandatos e muitas vezes contra os melhores interesses do povo americano. Bourne é pura ficção mas a personagem é de algum modo produto da guerra fria onde os EUA procuraram criar todo o tipo de vantagens estratégicas e tácticas na luta contra o inimigo comunista. Um desses mecanismos de supremacia foi a utilização de programação neuro-linguística para a optmização de agentes secretos capazes de atingir os seus objectivos a qualquer preço. Bourne foi uma experiência que funcionou mal e que viria a rebelar-se contra os seus criadores. O primeiro livro da trilogia original deu, em 1988, origem a uma mini-série, protagonizada por um pouco crível Richard Chamberlain no papel de Bourne. Curiosamente esta adaptação é muito mais fiel à letra do romance de Ludlum do que os subsequentes filmes protagonizados por Matt Damon, que apenas usaram elementos dos romances como referências no arco narrativo do espião com amnésia retrógada. Os filmes foram um imenso sucesso comercial e esperar-se-ia uma longa série de aventuras de Bourne, um pouco à semelhança do modelo de James Bond. Mas como Matt Damon não se mostrou interessado em continuar a série, os produtores foram obrigados a repensar o franchise. Tony Gilroy que já tinha escrito os argumentos dos 3 filmes com Damon chegou-se à frente e apresentou a ideia de continuar a saga de um modo paralelo, ou seja criar um outro espião em fuga. Esse espião é Aaron Cross, um dos elementos de outro programa secreto semelhante ao que criou Bourne. Esse programa, Outcome, corre risco de ser descoberto e assim os poderes na sombra decidem eliminar todos os traços da sua existência, o que inclui fazer desaparecer toda a gente nele envolvida. Mas Cross escapa por um triz ao extermínio e decide procurar respostas, para isso contacta a bio-química Marta Shearing ligada ao seu treino, mas ela entretanto sobreviveu a uma chacina no seu laboratório. Cross está viciado nuns comprimidos e precisa de Shearing para os obter, assim depois de a salvar de uma equipa de ‘limpeza’ da CIA, partem ambos para as Filipinas, onde a droga é produzida, mas escapar ao longo braço do tio Sam não vai ser tarefa fácil. Apesar de toda a parafernália tecnológica e da fancaria digital «O Legado de Bourne» é apenas mais um thriller que esconde a sua pobreza de ideias originais por detrás de um frenesim visual. Jeremy Renner talvez tenha sido promovido a primeira figura algo prematuramente pois neste filme o seu desempenho é pouco mais do que rotineiro. Como realizador Tony Gilroy não se revela particularmente inovador, mas pelo menos tem a virtude de deixar as sequências respirarem e não abusar da montagem como fez Greengrass. Este é daqueles thrillers que foram feitos para acompanhar as pipocas e que se desvanecem da memória assim que saímos do cinema.
[Crítica publicada originalmente na revista Metropolis nº 1, Agosto 2012]
Título original: The Bourne Legacy Realização: Tony Gilroy Elenco: Jeremy Renner, Rachel Weisz, Edward Norton. Duração: 135 min. EUA, 2012