O mínimo que se pode dizer da evolução da obra do chileno Pablo Larraín (n. 1976) é que continua a seguir uma linha de impecável coerência temática e estética em que as convulsões da história do seu país desempenham um papel fundamental. Não que ele seja um criador dependente do conceito mais corrente (muito televisivo) de “reconstituição” histórica, como se se tratasse apenas de ter os cenários certo e o guarda-roupa da época…
Nada disso. Larraín interessa-se, antes de tudo o mais, pelo carácter irredutível de personagens que, de uma maneira ou de outra, integram sinais concretos e marcas fantasmáticas dos grandes movimentos colectivos. Assim aconteceu na sua magnífica trilogia sobre a ditadura de Pinochet: «Tony Manero» (2008), «Post Mortem» (2010) e «Não» (2012). Assim volta a acontecer com «O Clube», retrato minucioso, obsessivo e perturbante de um mundo de estranha claustrofobia.
Tudo se passa numa casa que alberga um “clube” insólito, constituído por padres que foram afastados do sacerdócio por situações de pedofilia ou por se terem apropriado de bebés de mães solteiras. Universo bizarro, sem dúvida, em que as memórias dos crimes é vivida através de um quotidiano organizado a partir de um calendário de gestos e rituais que visam “purificar” o peso do passado.
Acima de tudo, Larraín traz uma nova luz à dicotomia indivíduo/instituição, muito para além de qualquer visão determinista: «O Clube» é um filme sobre os mecanismos internos da Igreja Católica que, para lá do peso específico da hierarquia, envolvem uma relação ambígua com os conceitos de inocência e pecado e, no limite, com a própria ideia de redenção.
Lembramo-nos, inevitavelmente, das odisseias de Luis Buñuel atravessadas pelos temas do catolicismo, em particular «Viridiana» (1961) e «Tristana» (1970). São filmes admiráveis em que as fronteiras da consciência moral são postas à prova através da verdade desarmante das pulsões e dos desejos. «O Clube» não é um objecto estranho a tal programa narrativo. Com uma singularidade que importa sublinhar: aquilo que, em Buñuel, nos encaminha para um contacto com a matéria que atrai as energias do surreal(ismo), surge, no trabalho de Larraín, como afirmação do mais despojado realismo.
Título original: El Club Realização: Pablo Larraín Elenco: Alfredo Castro, Roberto Farias, Antonia Zegers, Marcelo Alonso, Jamie Vadell Duração: 98 min. Chile, 2015
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº37, Junho 2016]
https://www.youtube.com/watch?v=Wqv8PPDfiyw