Dentro do atual cinema italiano, Mario Martone é, por excelência, o cineasta de Nápoles. Recordou-nos disso o ano passado com «O Rei do Riso», filme onde Toni Servillo encarna o lendário ator e dramaturgo napolitano Eduardo Scarpetta (1853-1925), e agora é a vez de Pierfrancesco Favino assumir a “tragédia” de um homem de Nápoles em «Nostalgia». A câmara de Martone salta então do palco e da dinâmica doméstica da obra anterior para as ruas da cidade – à semelhança de outro dos seus filmes, «L’amore molesto» (1995), primeira adaptação ao cinema de um romance de Elena Ferrante, autora visceralmente napolitana –, e o resultado é um riquíssimo percurso interior moldado por velhas esquinas e ruelas.
De facto, em «Nostalgia» (que é a adaptação de um romance de Ermanno Rea) as ruas falam tanto como a personagem interpretada por Favino, Felice Lasco, um homem que regressa ao seu bairro natal, vindo do Egipto, para onde foi viver ainda adolescente, e cuja língua materna, que trocou pelo árabe, reaprende como uma língua afetiva. É, de resto, no comovente reencontro com a mãe que o protagonista se define aos nossos olhos. Alguém atencioso e meigo, que quer garantir a esta mãe idosa o bem-estar que não garantiu nos muitos anos em que esteve fora – é simplesmente maravilhosa a cena em que ele lhe faz a higiene; um ato íntimo de ternura filial.
Mas há mais nesta história de um retorno às origens. Felice está a regressar ao passado, e em particular às memórias da sua amizade com Oreste Spasiano, que se tornou o mafioso da zona… Pelo meio há um padre proativo e inspirador, que procura orientar os jovens da paróquia contra os gangsters rivais, e que se torna o conselheiro de Felice na sua estadia prolongada. Quanto tempo se deixará – ou o deixam – ficar pelo bairro? É a essa pergunta que o filme vai dando resposta, à medida que segue o corpo de Felice/Favino em navegação num ambiente que lhe está colado à pele.
Martone usa da delicadeza e de uma violência implícita para observar este homem na sua reaprendizagem da língua napolitana – não apenas a língua falada, mas toda uma expressão comunitária –, e isso faz de «Nostalgia» um retrato mais duro e humano do que empenhado em qualquer visão doce da própria ideia de “nostalgia”. Depois, Favino é um ator admirável, capaz de nos envolver pela sua presença, ao mesmo tempo que assume uma postura discreta. Será um dos atores italianos mais notáveis da sua geração (no filme «O Traidor», de Marco Bellocchio provou-o plenamente) e este é outro título que permite perceber isso. Enquanto sentimos a vida nas ruas de Nápoles…
Título Original: Nostalgia Realização: Mario Martone Elenco: Pierfrancesco Favino, Francesco Di Leva, Tommaso Ragno Duração: 117 min. Itália/França, 2022
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº93, Maio 2023]