Com apenas dois filmes realizados, «Foge» (2017) e «Nós» (2019), Jordan Peele conseguiu transformar-se numa figura relevante do universo de terror, atraindo uma boa dose de atenção mediática e público a cada estreia. Sem surpresas, o mesmo fenómeno repetiu-se com a chegada de «Nope» (2022) que, além disso, marca uma nova colaboração entre o cineasta e Daniel Kaluuya (Foge). Ficará também para a história do cinema por se tratar da primeira longa-metragem de terror filmada com câmaras IMAX.

Há diferenças claras entre a sua terceira incursão atrás das câmaras e os filmes anteriores. «Nope» (2022) é muito mais “forma” e conceito, apresentado como um espetáculo dentro e fora da história, sem revelações inesperadas perto do final que revolucionam totalmente a narrativa. Após dois twists incríveis, nas obras anteriores, isso causará certamente alguma estranheza aos espectadores que, em vez disso, recebem uma ação syfy apoiada numa dinâmica presa-predador.

Os irmãos protagonistas OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) fazem parte da realeza do cinema: são familiares do homem que, várias décadas antes, participou na icónica filmagem de um jóquei negro. Apesar disso, continuam a ser encarados com desconfiança e até um certo desrespeito, sobretudo após a morte do pai, Otis (Keith David). Sem sucesso na vida profissional, e com o rancho sob ameaça, a dupla tem de encarar ainda um desafio potencialmente mortal: um OVNI que “absorve” cavalos, e não só.

A relação presa-predador está muito vincada desde início. Há subjacente uma tentativa de domar o predador em prol do espetáculo, algo que terá acabado em tragédia em “Gordy’s Home”, quando Jupe (Steven Yeun), agora dono de um parque temático, era apenas uma child star. No entanto, e como é sintoma da história que vamos encontrar, até Jupe tenta rentabilizar, no presente, a chacina a que assistiu. Mas será que aprendeu a não repetir os erros do passado?
A tentativa de desvendar o mistério não fica completa sem Angel (Brandon Perea), um técnico deprimido que fica fascinado pela possibilidade de os Haywood terem testemunhado realmente um OVNI. Teorias da conspiração à parte, «Nope» (2022) concentra-se sobretudo na dinâmica de caça/caçador, bem como no modo como três civis podem fazer frente à maior ameaça de sempre em Agua Dulce, Califórnia.

Peele “brinca” com a audiência e aposta frequentemente em planos onde esta é inserida na ação. Seja quando o chimpanzé assassino nos encara, cada vez mais perto, ou quando fugimos do monstro dos céus. Pode não oferecer nenhum twist ou um argumento arrebatador, mas Peele conseguiu, realmente, criar o espetáculo que tanto prometeu. Será que no futuro continuará a apostar mais na componente estilística e concetual/visual, ou voltará à origem com histórias mirabolantes, ainda que complexas e significativas, com revelações destrutivas na reta final?

Não é possível assistir a um filme de Jordan Peele sem o contextualizar, nomeadamente a dois níveis. Em primeiro lugar, na forma como o racismo e a discriminação estão vincados na sociedade, ao ponto de quase existirem com “normalidade”. Há também referências a histórias e figuras do passado que reforçam o comentário social. Por sua vez, em segundo lugar, cada filme de Peele é uma homenagem ao cinema que o marcou, sendo possível identificar várias influências em «Nope» (2022).

Título original: Nope Realização: Jordan Peele Elenco: Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Brandon Perea, Steven Yeun, Keith David Duração: 107 min. EUA/Canadá/Japão, 2022

https://www.youtube.com/watch?v=In8fuzj3gck
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