Impecável como Joker, em «O Esquadrão Suicida» (2016), apesar do que disseram as más línguas, Jared Leto é um talento camaleónico que nunca se repete, ampliando um ferramental cénico inesgotável sempre rastreando o submundo da empatia. Notou-se isso na sua breve aparição como Angel Face em «Fight Club – Clube de Combate» (1999), no qual tinha o rosto apolíneo trucidado pelo ciúme de Edward Norton. Mais adiante, essa potência passou a ato em «Capítulo 27 – O Assassinato de John Lennon», de 2007, interpretando o assassino Mark David Chapman. Uma nova surpresa se fez notar como o ente metafísico de «Sr. Ninguém» (2009), de Jaco Van Dormael. E qualquer dúvida foi-se pelo ralo com a delicadeza de Rayon em «O Clube de Dallas» (2013). Mas são personagens que carregam as névoas existenciais da exclusão, do abandono, dos grilhões do tempo a serem arrastados. E com Michael Morbius, figura que lhe abre as portas do universo Marvel, não seria diferente. Figura que não está no campo dos super-heróis, mas que gravita na dor imortal dos vampiros. É uma trama controversa para a grife sob a qual foi gestado, que dialoga mais com «Nosferatu» (1922), de F. W. Murnau, do que com cartilhas Disney. Ou, no caso, Sony. Mas é uma iguaria fina, sobretudo na forma, com um diálogo radical com a linguagem das BDs dos anos 1970, em que a exploitation guiava esse mercado editoria., garantindo-lhe mais liberdade criativa sobretudo no terreno da Sociologia, no debate da inclusão, no empenho em dar protagonismo a personagens no limiar da moral.
Sob a direção do sueco de origem chilena Daniel Espinosa (de «Vida Inteligente»), a cruzada de Morbius em busca da cura para uma doença no seu sangue – uma cruzada a princípio altruísta, capaz de ajudar a Humanidade, que vai, pouco a pouco, mostrando-se egoísta – evoca o esquecido «Lobo» (1994), pérola de Mike Nichols (1931–2014). Só por essa evocação a longa-metragem já mereceria uma atenção privilegiada. Mas o espetáculo pop repleto de ação e de assombro que ele leva às telas, amparado no carisma atormentado de Leto vai muito além das analogias. O que víamos no cult maldito de Nichols era um enredo que usava a licantropia (maldição capaz de transformar pessoas em lobisomens ou criaturas afins) como metáfora para a evolução da espécie… mas também uma analogia para a fome. Fome por progresso ou fome por poder e controle. De um lado, animal, havia Jack Nicholson. Do outro, humano, demasiadamente humano como Caim, havia James Spader. Nicholson se tornava bicho por acidente e era puro instinto, primal. Spader, não. Ele queria virar predador, por maldade, para ser mais do que é, a fim de alimentar sua ambição. É essa a situação que vemos na trama rodada por Espinosa com base num argumento de Matt Sazama e Burk Sharpless, inspirado no personagem dos comics criado por Roy Thomas e Gil Kane (1926-2000) no “The Amazing Spider-Man #101”, em outubro de 1971.
Num clima de tensão a cada virada do argumento, Michael Morbius (Leto) é um hematologista aclamado que, após rejeitar o Prémio Nobel, alegando não estar com sua pesquisa pronta para láureas, engata um estudo com morcegos a fim de encontrar uma fórmula para sintetizar hemácias e leucócitos. Eis que os experimentos dão errado e um elixir quase milagroso que deveria curá-lo infecta o seu corpo, transformando-o em uma espécie de vampiro. O Vampiro Vivo. Elixir esse que, no filme, ele vai disputar com Milo, algo que arranca uma interpretação memorável de Matt Smith, o Dr. Who. Que atuação tempestuosa.
Título original: Morbius Realização: Daniel Espinosa Elenco: Jared Leto, Matt Smith, Adria Arjona, Jared Harris, Tyrese Gibson, Michael Keaton Duração: 104 min EUA, 2022
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