Metropolis 98

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Uma coisa é certa. Assistimos a um momento de viragem, que ficará gravado na cronologia da História do cinema. Os atores e argumentistas estão em greve, os filmes e séries mais aguardados estão a ser adiados – provavelmente para depois da season dos principais festivais de cinema e das cerimónias de entrega de prémios da Sétima Arte –, e o mundo decidiu vestir-se de rosa depois da estreia de um dos filmes mais vistos de sempre, «Barbie». Num mês em que o festival de cinema mais antigo abre as suas portas sem as grandes estrelas norte-americanas a chegarem nos táxis-gôndolas e a pisarem o red carpet com os seus modelos de alta costura, o mundo assiste ao fenómeno “Barbenheimer”, que tem “rebentado” todas as escalas de bilheteira. O efeito «Barbie» não se verifica apenas na América do Norte. O filme rendeu 122,2 milhões de dólares (110 milhões de euros) a nível internacional durante o fim-de-semana de estreia e a sua contagem global atingiu recentemente os 1.3 mil milhões de dólares, tornando-se o maior êxito de bilheteira dos estúdios da Warner Bros.

Além da grande máquina de marketing que se instalou mundialmente e que levou às salas até quem não faz ideia do que trata o filme de Greta Gerwig ou, inclusive, que boneca era a Barbie e o que significou para uma determinada geração, não deixa de ser interessante que um filme que coloca o foco numa boneca vs. realidade seja um dos maiores êxitos de bilheteira de todos os tempos. Isto numa altura em que a greve dos atores debate, precisamente, o elemento “boneco” que querem criar de si próprios. Os atores da grande máquina americana, que se juntaram à greve dos argumentistas iniciada em julho para reclamar melhores condições de trabalho, revoltam-se precisamente pelo facto de os Estúdios quererem socorrer-se de ferramentas de Inteligência Artificial para escrever argumentos e para duplicar e guardar a imagem de atores, de forma a serem usados quando quiserem, sem que os mesmos possam lucrar ou ter poder sobre isso.

Quando um filme pretende mostrar que o ser humano deve aceitar ser o que é, que deve assumir as suas imperfeições (e não vê-las como tal), e muito menos deixar-se sujeitar pelo poder dos outros, não deixa de ser irónico a indústria querer precisamente assumir a perfeição que a tecnologia é capaz de gerar, rejuvenescendo atores ou trazendo “à vida” outros que já faleceram.

É cada vez menor a distância entre máquina e “homem”, e se os humanos não perceberem que a dita perfeição está na autenticidade e originalidade, e que só isso nos pode efetivamente diferenciar, cairemos todos no erro de nos tornarmos “bonecos”, à mercê do que alguém definir como sendo o bom e o perfeito.

SARA AFONSO

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