EM NOME DA TERRA

EM NOME DA TERRA

Jagna (Kamila Urzedowska) é uma jovem de 19 anos nascida numa zona rural da Polónia. Dona de uma beleza única e espírito livre, Jagna torna-se uma das mulheres mais cobiçadas da aldeia, embora ela só queira fazer os seus trabalhos de recorte e viver junto da sua mãe. Mas quando Boryna (Miroslaw Baka) um influente e rico latifundiário, fica viúvo, a família de Jagna força-a a casar para benefício próprio, pois o mais importante é herdar terra, o bem mais precioso.
Tudo isso já seria mau, não fosse Boryna um prepotente sexagenário que acha que todos lhe devem vassalagem, mas tudo fica pior quando Jagna se apaixona por Antek (Robert Gulaczyk), filho de Boryna, casado e pai de filhos. Numa vida em que pouco lhe sobra para ter verdadeiros momentos de prazer, Jagna não prescinde de viver esse amor e quebrará todas as regras e todos os padrões sociais da época, originando motivos para falatório na aldeia e, sobretudo, muita inveja de todos.

Depois de «A Paixão de Van Gogh», o casal de realizadores, DK Welchman e Hugh Welchman, regressam ao universo da animação de pinturas a óleo, para realizar um dos maiores clássicos da literatura polaca. A realizadora DK Welchman leu o livro na sua adolescência e voltou a “ouvi-lo” em audiobook, precisamente durante a ilustração dos vários quadros que compõem «A Paixão de Van Gogh». Quis, então, que o seu marido, Hugh, lesse os quatro livros para poderem adaptá-los ao grande ecrã. Quatro volumes depois, Hugh Welchman estava convencido e foram necessários mais de 100 animadores de pintura que trabalharam no filme, rodado primeiramente em live-action, para criar pelo menos 40.000 pinturas a óleo feitas à mão.

O primeiro impacto de «Em Nome da Terra» surge nos segundos de introdução do filme, com a beleza da natureza a desenrolar-se na primeira estação: o outono. Seguindo o primeiro livro da coletânea, os realizadores introduzem-nos à paisagem natural desta época, sintonizando a primeira música da banda sonora que nos vai acompanhar e surpreender durante o resto do filme, muitas vezes intercalado pelos cânticos populares das gentes da aldeia.
Apoiando-se no folclore polaco, na celebração das estações do ano, assim como nos diversos rituais vividos pela cultura no século 19, a dupla de realizadores transporta-nos a uma época que parece longínqua mas que está mais atual do que nunca. Infelizmente, enquanto humanidade evoluímos muito pouco. As mulheres continuam a ser obrigadas a casar com quem não querem para poderem sobreviver; as mulheres não são, muitas vezes, livres de viver a sua paixão, mesmo que a sua vida esteja em causa; pais e filhos continuam a não se aceitar nas suas diferenças e os pais tendem a não acarinhar as verdadeiras identidades dos filhos, esperando sempre que eles sejam o que o progenitor não foi ou não alcançou; as desigualdades sociais prevalecem; e, a uma escala global, a crítica e o julgamento continuam a imperar e a sobrepor-se à empatia e à compaixão.

Talvez o maior elogio de «Em Nome da Terra» seja para os artistas e pintores, capazes de transportar-nos para uma pequena aldeia, perdida na Polónia do século 19, e se por um lado nos dececiona por tudo o que a humanidade não aprendeu, por outro convida-nos a ficar, a tentar a olhar para a vida de outra forma, a valorizar tudo o que conseguimos evoluir, mas lembrando-nos que as memórias fazem parte da nossa história e de quem nós somos.
O convite é para repensarmos a condição da mulher, a injustiça que as pessoas podem cometer e que podem ser fatais, e a importância do verdadeiro laço familiar, tantas vezes adulterado pelas falsas expectativas e pelas vezes raras que pais disseram aos filhos que os amavam e vice-versa. No final, e quando já não temos mais nada a perder, o único caminho é para a frente e a natureza nunca nos irá falhar, enquanto colo, ouvinte e fator de esperança.

Título Original: The Peasants Realização: DK Welchman, Hugh Welchman Elenco: Kamila Urzedowska, Robert Gulaczyk, Miroslaw Baka Duração: 114 minutos Polónia/Sérvia/Lituânia, 2023