MARTHA MARCY MAY MARLENE

MARTHA MARCY MAY MARLENE

Sean Durkin realizou uma perspicaz obra de estreia que narra de uma forma honesta e humana a complexidade mental e a perversão das seitas e nem precisou de entrar no domínio religioso. O registo tem óptimos pormenores técnicos na sua produção e conta com uma interpretação notável de Elizabeth Olsen (irmã das gémeas Olsen).

A história é um pesadelo na primeira pessoa através da personagem Martha (Elizabeth Olsen) que no início do filme consegue escapar, após dois anos, de condicionamento natural e psicológico de uma seita ao procurar refúgio na casa da sua irmã. O sonho e a realidade fundem-se na dicotomia de Martha: com a irmã na casa à beira do lago e os dois anos na casa de campo pertencente à seita. Martha é uma personagem desajustada que se esforça para se encontrar por entre as diferentes identidades que assume.

O clima de confusão de Martha transpõe-se do domínio psicológico para a estrutura visual da obra de alguém perdeu o sentido da realidade. Realmente não há tempo específico, não há futuro e nem passado, tudo se desenrola ao mesmo tempo no presente, o flashback não existe. As transições/montagem entre as cenas e a economia da narrativa são perfeitas. E o excelente trabalho de fotografia de Jody Lee Lipes enfatiza justamente essa ambiente.

O título da obra está relacionado com a transfiguração de Martha é uma contextualização na retórica do culto através da diluição das identidades e os métodos de manipulação para separar e isolar as pessoas. A narrativa pessoal invoca o sentido de família e aproveita-se das fragilidades passadas. A purificação é o primeiro passo (também sinónimo de violação) o princípio na filosofia de uma nova família que explora as debilidades das mulheres e onde a mentira e a morte são o lado mais negro desta dimensão.

A interpretação de Elizabeth Olsen é arrepiante e arrojada no retrato fragilizado e densamente perturbado de Martha uma personalidade estilhaçada que combina sobre si a inocência e o abuso da mesma. Outro destaque de interpretação vai para John Hawkes, interpreta o sinistro líder da seita, é um desempenho tão interessante que é difícil distinguir a realidade da ficção.

A obra surge de uma nova geração de autores americanos saídos dos prestigiados estudos de cinema da NYU, inclui-se nesse lote, entre outros, o realizador, os produtores e a actriz.

As questões que surgem no final (aterrador) são provavelmente as mesmas questões que Martha tem, e terá para sempre na sua vida.

[Crítica publicada originalmente na revista Metropolis nº 0.5, Julho 2012]

Título original: Martha Macy Mae Marlene Realização: Sean Durkin Elenco: Elizabeth Olsen, Sarah Paulson, John Hawkes. Duração: 102 min. EUA, 2011