[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº45, Janeiro 2017]
Na altura em que publicamos este texto, «Manchester By the Sea» perfila-se como um dos títulos que, de uma maneira ou de outra, irá ter significativa evidência na corrida aos Oscars de 2016 (a atribuir a 26 de Fevereiro de 2017). E convenhamos que tal hipótese está longe de ser banal. Não por qualquer inventariação de vitórias e derrotas. Longe disso. Antes porque se trata de um objecto que, a longa distância das produções mais ou menos inter-galácticas, mais ou menos saturadas de efeitos especiais, reafirma duas componentes do mais nobre classicismo de Hollywood: uma matriz dramatúrgica em que é decisivo o realismo (social e psicológico) e um modo de encenação em que os actores, libertos de qualquer instrumentalização técnica, emergem como matéria insubstituível.
Não por acaso, o argumentista Kenneth Lonergan (colaborou, por exemplo, com Martin Scorsese, em «Gangs de Nova Iorque», lançado em 2002) simboliza uma postura criativa que começa na militante atenção ao valor irredutível de cada personagem. A história de Lee Chandler, de algum modo impelido a cuidar do seu sobrinho (depois da morte do pai, irmão de Lee), evolui, assim, como um processo de descoberta e revelação. Não apenas, entenda-se, em relação ao espectador que vai juntando as peças de um complexo puzzle emocional, sustentado por um sofisticado trabalho de montagem (da responsabilidade de Jennifer Lame). Ao mesmo tempo, «Manchester By the Sea» organiza-se como uma odisseia afectiva em que cada personagem, a começar por Lee, vai ser confrontada com os enigmas da sua própria identidade.
No papel de Lee, Casey Affleck volta a mostrar a sua invulgar capacidade de expor uma vivência carregada de silêncios e questões impensadas, não sendo arriscado prever que receberá a sua primeira nomeação para o Oscar de melhor actor — tem já uma, como secundário, pela sua composição em «O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford» (2007), de Andrew Dominik. Notável é também o jovem Lucas Hedges, intérprete do sobrinho, que vimos, por exemplo, em «Moonrise Kingdom» (2012) e «Grand Budapest Hotel» (2014), ambos de Wes Anderson, sem esquecer, claro, as perenes qualidades de Michelle Williams ou Gretchen Moll. Enfim, com Oscars ou sem eles, este é um dos grandes acontecimentos para fechar o ano de 2016.
Título original: Manchester by the Sea Realização: Kenneth Lonergan Elenco: Casey Affleck, Michelle Williams, Kyle Chandler. Duração: 137 min. EUA, 2016
https://www.youtube.com/watch?v=obdKk_sYQNI&feature=emb_imp_woyt