MALÉFICA

MALÉFICA

[Crítica originalmente publicada na revista Metropolis nº20, Junho 2014]

A avalancha promocional de «Maléfica» teve qualquer coisa de asfixiante. De facto, a qualquer cidadão comum de qualquer recanto do planeta terá sido difícil ignorar a imagem de Angelina Jolie com as suas vestes negras, na pose da personagem (maléfica, hélas!) que quer comprometer a felicidade da Princesa Aurora, condenando-a a um sono eterno…

Compreende-se o que estava em jogo para a máquina dos estúdios Disney. Tratava-se, afinal, de refazer um dos emblemas da sua idade clássica da animação — «A Bela Adormecida» (1959) —, agora através de actores de carne e osso, entregando a direcção das operações ao realizador estreante Robert Stromberg, consagrado com dois Oscars de cenografia, em anos consecutivos, respectivamente com «Avatar» (2009) e «Alice no País das Maravilhas» (2010). Aliás, tal reconversão parece corresponder a uma opção de fundo em relação a certos títulos emblemáticos no património do estúdio, estando já agendada, para 2015, uma nova Cinderela».

Mesmo reconhecendo a frieza poética da magnífica composição de Jolie, o que está em jogo excede as simples performances individuais — sendo inevitável destacar também Elle Fanning, no papel de Aurora, e o sempre excelente Sam Riley (lembram-se dele em Control, de Anton Corbijn?), assumindo a personagem de Diaval. Com «Maléfica», a aposta fundamental consiste em refazer a textura dramática, não apenas do filme de 1959, mas do próprio conto de Charles Perrault (publicado em 1697)

No limite, o que a Disney aqui ensaia decorre da possibilidade de desafiar uma das suas matrizes clássicas. A saber: a figura imaculada da Mãe como centro redentor das suas histórias e, em particular, das que obedecem a uma lógica de fábula.

Mesmo sem citarmos as nuances factuais e simbólicas de tal processo (há, aqui, uma revelação que o espectador deve descobrir no primeiro grau), digamos que Angelina Jolie é convocada para uma aventura em que toda a arquitectura tradicional das forças do Bem e do Mal surge metodicamente posta à prova. Podemos supor que o próprio Walt Disney discutiria tais opções. E porque não? O certo é que «A Bela Adormecida» tem, agora, um insólito contraponto que, em última instância, enriquece o património a que a sua lenda pertence. João Lopes

Título original: Maleficent Realização: Robert Stromberg Elenco: Angelina Jolie, Elle Fanning, Sharlto Copley, Imelda Staunton, Sam Riley. Duração: 97 min. Reino Unido/EUA, 2014