Page 9 - Revista Metropolis nº87
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‘INFERNINHO’

                                         SÃO OS OUTROS












  5 — 19
                                           CINEMA BRASILEIRO
                                               RODRIGO FONSECA
     NO



                                Ao definir a condição humana   mais fascinante do cinema brasileiro, em anos:
                                a partir de uma reflexão      uma barwoman trans que cuida daquela bodega
                                existencialista que dita “o   desde criança, por herança de sua avó, vivendo o


 VEMBR



                                indivíduo é um existente que   desencanto das paixões de ocasião.





                                nasce sem motivo, dura por





                                fraqueza e morre por acaso”,   Dirigido com um rigor poético dos mais finos





                                Jean-Paul Sartre, e sua náusea   por  Guto Parente e  Pedro Diógenes, no  limite






                                filosófica, levanta a tese de   do lúdico e do louco, entre Buñuel («Simão do





            que “o inferno são outros”, para refletir sobre   Deserto» [1965]) e Marco Ferreri («Contos da





            como pode ser perigosa a alteridade, na prática   Loucura Normal» [1981]), a longa-metragem





            do egoísmo. É dessa prática que fala um belo filme   acompanha a educação sentimental de Deusimar,





            cearense descoberto por Roterdão e festejado no   sempre orientado pela questão central da obra dos






            Festival de Montevidéu: «Inferninho», de 2018. É   diretores: a lealdade de amigos. Eles e os irmãos



  O

            uma longa-metragem que acaba de chegar à grelha   Pretti nos deram, em 2010, um filme definitivo




            da MUBI [no Brasil], na streaminguesfera.  Basta   (não apenas sobre o assunto, mas também pela






            uma  sequência  –  um  sujeito  vestido  de  coelho,   abertura de novos veios estéticos em nossa






            numa fantasia cor de rosa, vira para a sua chefe   trajetória audiovisual): «Estrada para Ythaca». E,







            trans, a dona de um bar reles no Nordeste, e diz   desde então, seguem filmando o mesmo mote: as







            “Não maltrate a vida” – para que este Cortina     provas que a vida nos aplica e o quanto a amizade





          2022

            de Fumaça de Fortaleza (CE) chegue ao ápice de    nos ajuda a tirar nota 10 nos exames ligados ao
            seu tom  bukowskiano, conduzindo nosso olhar à    verbo amadurecer.
            transcendência com a exegese da derrota. Com a
            tonalidade de uma dose de Campari, magenta, a     Roterdão definiu a longa como uma “carinhosa
            fotografia incrementa toda a picardia do ambiente   homenagem aos derrotados que afogam as mágoas
            omnipresente – um bar decadente – ressaltando     em bares”, em um artigo da “Variety”. Mas, de
            na sua pigmentação o vermelho, o marrom e         certa forma, homenageia-se também o instinto de
            o vinho. É ali que Deusimar (vivida por Yuri      perseverança (na fossa) dos que apostam contra
            Yamamoto) se candidata ao posto de personagem     eles mesmos.
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