Page 9 - Revista Metropolis nº78
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M&' A METONÍMIA DA EXCLUSÃO
CINEMA BRASILEIRO
CRÓNICA DE RODRIGO FONSECA
No momento em que se !lho sozinha, é quem vem expor o fardo de mulheres
prepara o regresso às salas solitárias que, na maternidade, reinventam-se em
de exibição da sua pátria com guerreiras.
uma cartogra!a histórica das
lutas abolicionistas, chamada Num domínio pleno da direção, Jeferson transborda a
«Doutor Gama», Jeferson De sua autoralidade, que vem lá de «Bróder» (2010), não
ganha as vitrines da Net$ix só pela menção a grandes ícones das lutas raciais (a
com seu !lme mais poderoso doce menção à escritora Conceição Evaristo é um dos
(até agora) na sua luta contra o racismo estrutural: sinais), como pela sua habilidade de investigar vários
«M8 – Quando a morte socorre a vida». A sua primeira vértices da geometria do Real, sempre do ângulo
exibição popular aconteceu no Festival do Rio 2019, do desdém e do abandono político, indo e voltando
onde a sua narrativa foi laureada com uma menção às mesmas situações de modo a expor podridões
honrosa e o prémio do júri popular, uma dupla vitória institucionalizadas. Baseada num romance de
que coroou o seu elenco em estado de graça, com Salomão Polakiewicz, a trama parecia ser algo próximo
destaque para a atriz Mariana Nunes, em seu apogeu. de «Morto não fala» (2018), ou seja, um rapaz que
transita entre cadáveres consegue se comunicar com
Rezam as mitologias associadas ao iorubá que “Exu um deles. Parecia ser um devir exu num prisma mítico,
matou um pássaro ontem com uma pedra que só metafísico. Mas o universo temático de Jeferson é
arremessou hoje”, por ser uma esfera que gira e físico e ferido demais pra isso. O caminho de Jeferson
nunca para. Nessa lógica, ou melhor, nessa mística, é outro, bem distante da trilha do dito ExtraOrdinário
«M8 – Quando a morte socorre a vida» é um “!lme (termo da moda na crítica) das narrativas de género.
exu”, não apenas por congregar na sua narrativa a É um drama de exumação de escoriações sociológicas
omnipresença de uma luta secular – a do respeito às que perduram desde o crime da escravidão.
populações negras – mas por servir de mensageiro a
muitas vozes que clamam pelo !m da intolerância. Analisamos as dissonâncias do Brasil, guiados por
Não é uma longa-metragem de digestão fácil – assim Jeferson, com foco nas transformações na rotina
como o Brasil -, o que faz dela uma experiência de do estudante Maurício (Juan Paiva, de uma retidão
ruminação... algo a ser absorvido aos poucos, para invejável), que cursa Medicina na Universidade Federal
doer, em sua percepção das microfísicas do racismo do Rio de Janeiro. Em meio à dissecação de um corpo
numa terra onde um estudante de Medicina negro no Fundão, para estudar sua anatomia, ele, ligado a
é sempre discriminado. Há ainda muitas camadas religiões de matriz africanas, sente que a alma do tal
na cartogra!a de exclusão empreendida pelo seu corpo está por ali. Essa é a sensação inicial. E, de fato,
realizador: fala-se de orientação homossexual, de há algo de errado com essa alma, associada a um corpo
desequilíbrio de classes, da miopia das instituições de (negro) batizado de M8. A missão de Maurício será dar
ensino em relação aos desajustes de classes. E Cida, um enterro a esse corpo. Mas essa missão vai liberar
personagem de Mariana, a enfermeira que criou um mil fantasmas das contradições sociais brasileiras.
CR Ó N I C A
METROPOLIS AGOSTO !"!# 9