Page 8 - Revista Metropolis 110
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FOREVER YOUNG










                                           CINEMA BRASILEIRO

                                               RODRIGO FONSECA







                                Responsável  por  belezas     da própria personagem sobre a vida familiar e
                                literárias  como     “Efeito  alianças.  A mais  tocante  delas: “Meu  marido
                                Urano” (2001) e “Vergonha     tem a função de organizar minhas alterações de
                                dos  Pés”  (1996),  Fernanda   humor”, dizia, referindo-se ao companheiro, o
                                Young morreu em 2019, aos     publicitário e argumentista Alexandre Machado.
                                49 anos, em decorrência
                                de uma crise de asma,         É hoje em dia uma das documentaristas mais
                                após  ter  desnorteado  a     indomáveis da América Latina, vide «Nada Sobre
            organização moral e cívica da TV brasileira,      Meu Pai» (2023) e «Casão, Num Jogo Sem Regras»
            como argumentista e apresentadora. Era rápida     (2022), Susanna Lira  lapida «Fernanda  Young
            a falar o que lhe vinha à cabeça sem medo         – Foge-me Ao Controle», levando-o a um lugar
            algum de ser feliz, embora tivesse lá os seus     de ensaio, a um jorro tão incontinente quanto
            abismos e as suas sofreguidões. As suas zonas     o da cabeça da mulher sobre quem se debruça,
            cinzentas e as suas searas de luz voltaram à tona   fugindo da estrutura enciclopédica do cinema
            no seu país de berço – prestes a circularem já,   talking head, de depoimentos, de gráficos,
            já por terras estrangeiras – à força de um belo   de ilustrações. Não se ilustra nada do que
            documentário que, desenhado a partir de uma       Fernanda fala, sequer na leitura de fragmentos
            estrutura de colagens, faz justiça ao fluxo radical   da sua literatura, lidos por Maria Ribeiro (que
            de pensamento da sua personagem central.          a interpretou no teatro, online, na pandemia).
                                                              Em  vez  de “fotos-legendas”  autoexplicativas
            Sob  a direção de  Susanna  Lira, o  tal  filme,   e reiterativas, o que se vê na tela é um oceano
            «Fernanda Young – Foge-me Ao Controle»,           de  imagens  da  Era  Muda  do  cinema,  sempre
            periga ter-se tornado o filme mais amado do       com mulheres em ação, de modo a delinear a
            festival É Tudo Verdade 2024. Conquistou para     força feminina com a qual Fernanda se afinava.
            si o prémio da crítica na mostra de cinema de
            Paraty, organizada por Jane e Bruno Saglia.       A montagem de Ítalo Rocha (com a assistência
            Ao entrelaçar fotos, desenhos, trechos de         de Rê Ferreira e Mateus Teixeira) confere
            performances, entrevistas e fragmentos de séries   equilíbrio a essa dinâmica de realidade em
            de TV, a longa parte de um regime de corta-e-cola   fricção  com  a  imaginação.  Susanna  jamais  fala
            (ctrl + c/ ctrl + v) para traduzir o espírito inquieto   por Fernanda ou tenta confiná-la em verbetes de
            de Fernanda Young, que afirmava: “reclamação é    dicionarização. Fernanda Young não caberia em
            uma forma de otimismo”. Essa era a sua forma de   um. É na liberdade plena, galvanizada pela bela
            se apresentar. Para alguns, isso é indigesto, mas   trilha de Flavia Tygel, que se dá uma autopsia em
            há quem veja doçura numa série de depoimentos     corpo vivo de um modo de ser e de estar radical.











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