Page 8 - Revista Metropolis m106
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AO JABOR,
COM CARINHO
CINEMA BRASILEIRO
RODRIGO FONSECA
Arnaldo Jabor (1940-2022) no seu apartamento, de frente para a Lagoa
morreu há dois anos e, Rodrigo de Freitas, agarrado ao que lhe resta
até hoje, Hollywood não da sua fortuna. Ele está terminando um caso de
foi capaz de compreender amor com Bárbara (Vera Fischer), uma médica
minimamente a estratégia que o abandona para viver com um cardiologista.
que transformou «Eu Te Amo» Solitário, ele telefona para Maria (Sonia), uma
num fenómeno de bilheteria. desconhecida com quem esbarrou na rua e que se
Era uma claustrofóbica diz prostituta. Maria vai encontrá-lo, sem saber o
história de amor, regada mais a ressaca do que a motivo. Está em pedaços também. Está tentando
mel, desenrolada um apartamento fechado, com esquecer seu caso com Ulisses (Tarcísio Meira),
medula existencialista e afiadas farpas políticas, um aviador casado. Cada um representando o seu
Foi um fenómeno de dar voltas aos quarteirões, papel, aos poucos eles percebem que a relação está
somando 3.457.154 ingressos vendidos no mesmo se transformando em algo muito sério, saboroso
ano em que o Brasil conheceu Indiana Jones, e analgésico, onde cada abraço vira um abrigo,
em «Os Caçadores da Arca Perdida», ou seja, numa metamorfose sentimental que Peréio e
1981. Embora o furacão Sónia Braga estivesse à Sonia traduzem em interpretações seminais.
frente da trama – e era uma Sonia recém-saída
do blockbuster «A Dama do Lotação», visto por Ao longo de uma carreira iniciada em 1965,
6.509.134 pagantes – o enredo depressivo na Jabor foi um dos maiores campeões de bilheteria
narrativa sobre um par de solitários (a eterna do cinema brasileiro entre os anos 1970 e
Dona Flor e um apoteótico Paulo César Peréio) 80, com filmes que lotavam salas exibidoras
confinados num edifício da Zona Sul do Rio, apesar de fugirem das fórmulas comerciais do
chorando decepções afetivas pelo meio de uma audiovisual deste continente, naquela época de
paixão calorosa, poderia diluir a excitação dos farda, com ditaduras por todo o lado. Foi uma
seus potenciais espectadores. Só que não... A espécie de cronista das hipocrisias brasileiras.
bomba hormonal – estilosa e reflexiva – lançada Um cronista que usava a câmara para filmar
por Jabor agradou, virou a maior diversão, ensaios sarcásticos sobre hecatombes morais
concorreu na mostra Un Certain Regard de e transformava suas incursões na TV em
Cannes (com o título «I Love You»). performances meio clown, meio escolástica,
transformando o “Jornal da Globo” numa Ágora
Em «Eu Te Amo», Peréio interpreta Paulo, um para o seu saber. Saber que ele embebia em tinta
industrial às voltas com o processo de falência em suas crónicas para grandes jornais, depois
da sua empresa. Em ruínas, ele vive recolhido condensadas em livros.
8 METROPOLIS MêS 2022

