De uma maneira ou de outra, o lançamento de «Linha Fantasma» ficará marcado — podemos mesmo dizer: assombrado — pela notícia que o acompanhou. Dito de outro modo: a oitava longa-metragem dirigida por Paul Thomas Anderson seria o derradeiro trabalho do actor Daniel Day-Lewis. Será mesmo?
Uma coisa é certa: neste tempo em que, não poucas vezes, o mercado e os media favorecem uma visão tecnicista, pueril e escapista dos filmes, Daniel Day-Lewis impôs-se com modelo da excelência de interpretação, afinal celebrando o mais belo, e também mais radical, efeito especial? Qual? A dimensão humana.
Todos os verdadeiros cinéfilos esperam que o afastamento profissional de Daniel Day-Lewis não se confirme. Seja como for, «Linha Fantasma» ficará como um momento de génio da sua filmografia, a par de composições tão singulares e fascinantes como as que conseguiu em títulos como «A Idade da Inocência» (1993), de Martin Scorsese, «Haverá Sangue» (2007), também de P.T. Anderson, ou «Lincoln» (2012), de Steven Spielberg.
A sua personagem, Reynolds Woodcock, mestre da alta costura na cidade de Londres, na década de 1950, é alguém que não pode ser definido apenas pela especificidade profissional. Escusado será dizer que as componentes do mundo da moda, os fascínio dos vestidos e a sofisticação das suas formas são elementos fulcrais no filme. Mas toda a sua vibração dramática provém do desejo de perfeição de Woodcock, verdadeiro utopia que encontra a sua encarnação na figura de Alma (extraordinária Vicky Krieps, actriz luxemburguesa que merecia, no mínimo, uma nomeação para os Oscars).
«Linha Fantasma» é, então, uma história de amor? Talvez, no sentido em que a relação de Reynolds com a sua Alma envolve uma entrega radical, apenas possível no cenário íntimo de dois seres humanos. Ao mesmo tempo, tudo se passa como se a pulsão amorosa fosse, ela própria, algo que tende para o lado fantasmático que o título consagra — ao vestir Alma, nela celebrando a vida das suas criações, Reynolds encontra também a nitidez da morte.
Paul Thomas Anderson é este cineasta da infinita complexidade das relações humanas, legítimo herdeiro de todo um classicismo de Hollywood que conduziu o género melodramático a patamares de excelência — «Linha Fantasma» aí está como expressão perfeita de tal herança.
Título original: Phantom Thread Realização: Paul Thomas Anderson Elenco: Vicky Krieps, Daniel Day-Lewis, Lesley Manville, Julie Vollono. Duração: 130 min. EUA/Reino Unido, 2017
[Crítica publicada originalmente na revista Metropolis nº 57, Fevereiro 2018]