“Neste filme tudo é político”, declara a realizadora Lillah Halla (“Menarca”), não deixando margem para dúvidas de que “Levante”, a sua primeira longa-metragem, é uma obra politizada desde o seu frame génese até ao derradeiro. Não há engano, mesmo nos momentos de afetos, onde a pele acastanhada de Ayomi Domenica se constrata com o branco como de floco de Loro Bardot, entre amassos e abraços, carícias e beijos, sob suspiros de prazer e risinhos de intimidade, são também eles objetos de um ativismo fílmico, pontuado num filme com apetite para tudo e concentrado numa só vontade: delinear uma fronteira, geográfica, moral e praticável quanto ao tema do aborto, da sua descriminalização e da intolerância pró-vida perante essa mesma determinação. “Levante” não foge aos quadrantes da estética queer, mas prepara-se para oferecer mais do que o efeito de inclusão e representatividade; há um aprumo, acima de tudo visual, e um simbolismo rodopiante que proclama Lillah Halla como calculista, delicada e igualmente combativa. Portanto, esta história de uma equipa de voleibol primada na sua diversidade, e cuja sua “estrela”, Sofia (Ayomi Domenica), poderá contar com um futuro risonho conforme é ditado pelas premonições dos olheiros. Uma bolsa à espera, só que nesse preciso momento, descobre uma gravidez indesejada. Sofia aventura-se na clandestinidade, na fronteira uruguaia, tentando com isto preservar o seu percurso acima de uma “prisão doméstica”, mesmo desafiando forças evangelizadas que a ameaçam constantemente. Com Bolsonaro fora, o cinema brasileiro prepara um novo desafio, que é lentamente emancipar-se do “cinema resistência”, não só complementado com o grito de protesto da produtora Sara Silveira no Festival de Berlim de 2020, mas também a oposição a um governo que tinha como missão secar e condicionar o audiovisual nacional. “Levante”, com um desenvolvimento de oito anos, atravessou épocas e extraiu resquícios desse regime, chegando até nós com um certo atraso quanto à sua agressividade temática, mas exibindo um devaneio estético e a subversão de alguns clichés entranhados que este cinema de pontes perpetua, neste caso oferecendo-nos o “pai aliado” interpretado por Rômulo Braga, ator viril que tem desconstruído essa imagem ao longo da sua carreira (“Elon não Acredita na Morte”, “O Rio do Desejo”). Lillah Halla poderá marcar com “Levante” a fronteira para com o cinema pós-Bolsonaro.
Título original: Levante Realização: Lillah Halla Elenco: Ayomi Domenica, Loro Bardot, Grace Passô Duração: 99 min. Brasil/França/Uruguai, 2023
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº104, Março 2024]
https://vimeo.com/912927054