Em 1940, enquanto Hitler consolidava o seu poder e a guerra eclodia na Europa, Charlie Chaplin incarnava em «O Grande Ditador» essa figura odiosa, para a ridicularizar. Seguiram-se-lhe Lubitsch, Mel Brooks e, mais recentemente, Quentin Tarantino, com «Sacanas Sem Lei» (2009). Feitas as contas, andamo-nos a rir de Hitler há mais de 80 anos. Mas com o espectro do fascismo cada vez mais próximo, será este o melhor momento para mais uma sátira ao Führer? Taika Waititi achou que sim, e, a avaliar pela última edição dos Oscars – em que «Jojo Rabbit» ganhou na categoria de melhor argumento adaptado –, parece que não está sozinho.
«Jojo Rabbit» tem lugar em Falkenheim, uma pequena e ficcional cidade alemã, durante os últimos dias da II Guerra Mundial. O filme gira em torno de um miúdo de 10 anos, Jojo (Roman Griffin Davis), fervoroso adepto do nazismo, que tem Hitler (Taika Waititi) como amigo imaginário. Mergulhado desde cedo num caldo propagandista e intolerante, Jojo ambiciona destacar-se como membro da Juventude Hitleriana e contribuir para exterminar o maior número possível de judeus. Mas, quando tudo parecia correr bem, ele sofre um acidente que o obrigará a passar mais tempo em casa. É então que Jojo vai descobrir que a sua mãe, Rosie (Scarlett Johansson), esconde no seu quarto uma rapariga judia.
Nada nesta história parece adequar-se ao tom de comédia, mas Waititi, realizador de «O Que Fazemos nas Sombras» (2015) – brilhante mocumentário sobre quatro vampiros que partilham casa nos subúrbios da Nova Zelândia – tem um talento especial para misturar temas difíceis com um fino humor negro, e «Jojo Rabbit» é a melhor prova disso mesmo. A mensagem do filme não é a de que os nazis são estúpidos e maus – claro que são estúpidos e maus. Mas «Jojo Rabbit» fala-nos de algo mais complexo, sobre a raiz dos nossos preconceitos, a raiz do ódio e do extremismo. Não é por acaso que Waititi começa o seu filme ao som da conhecida música dos Beatles “I want to hold your hand” (versão alemã) e com uma mistura de imagens de arquivo que estabelecem um paralelo entre a histeria da juventude hitleriana e a chamada ‘Beatlemania’. Apesar de inusitado, este paralelo leva-nos a pensar na relação entre a idolatria e a cegueira ideológica. É tão fácil deixarmo-nos perder no meio da multidão…
«Jojo Rabbit» provoca reações muito dispares entre os espectadores. Há quem ache o filme ofensivo, outros pensam nesta sátira como um hino à fraternidade. Na minha opinião, além de ter o coração do lado certo e de proporcionar momentos verdadeiramente hilariantes, «Jojo Rabbit» lembra-nos de como é importante olhar para dentro e examinar o porquê de determinadas opiniões e sentimentos. De onde vêm? Até que ponto nos definem?
Título Original: Jojo Rabbit Realização: Taika Waititi Elenco: Scarlett Johansson, Roman Griffin Davis, Thomasin McKenzie
108 min. EUA, Nova Zelêndia 2019
*Em exibição no canal TVCine Top dia 25 às 21h30