Homenagem da Fipresci a «Nomadlad» lota sala em San Sebastián
Rodrigo Fonseca no Festival de Cinema de San Sebastián
Está lotada a sessão que o 69º Festival de San Sebastián vai realizar esta noite em tributo a Chloé Zhao e seu «Nomadland». É uma projeção realizada em conjunto com a Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica, a Fipresci, que elegeu a longa-metragem como “o filme do ano”, a partir de uma votação envolvendo todos os seus signatários pelo mundo. A sua produtora foi a atriz Frances McDormand. Ela e Chloé receberam estatuetas da Academia de Artes e Ciências Cinematográfica de Hollywood por sua tocante construção dramatúrgica.
Há um ano, esse drama on the road saiu da Terra das gôndolas com o Leão de Ouro. No fim de 2020, a associação de críticos dos EUA, cujo presidente é Justin Chang (do “The L.A. Times”) deu ainda a este road movie baseado em fatos reais os prémios de atriz (para Frances) e de direção, pavimentando a consagração de Chloé. Revelada em Cannes, em 2017, com «The Rider», ela prepara agora o que pode ser “O” filme da Marvel: «Os Eternos», previsto para novembro, com Angelina Jolie e Salma Hayek vivendo imortais místicos no espaço.
De uma simplicidade franciscana, «Nomadland» estampa no seu currículo o People’s Choice Award do TIFF – Toronto International Film Festival, prémio de público do evento canadiano que, via de regra, consagra futuros ganhadores de Oscar, como se viu com «Quem Quer Ser Bilionário?» (2008), «12 Anos Escravo» (2013) e «Green Book» (2018). O seu engenho narrativo lembra muito o de Jorge Bodanzky e de Orlando Senna em «Iracema – Uma Transa Amazônica» (1974). O que Frances (no papel de Fern) faz com uma carrinha nas estradas dos Estados Unidos é parecido com o que Paulo César Peréio fazia com seu camião pelas curvas do Norte. Os dois são agentes catalisadores de reações de atores não profissionais, de pessoas que vivem a demolição de um mundo que se crê em configuração. Os dois vivem (ou ensaiam) viver amores nas rodovias, como é o caso do quase romance de Fern e Dave (David Strathairn, brilhante) no diálogo travado entre Chloé e o livro homônimo de Jessica Bruder.
O que se vê nessa narrativa muitas vezes silenciosa, embalada (nas horas precisas) pela música de Ludovico Einaudi, fotografada sem exibicionismos por Joshua James Richards (de «Glory Days»), é algo já testado outras (e muitas vezes) no cinema, dos anos 1940 até hoje. Tem, sim, uma alma neorrealista nele – o neorrealismo possível no tal “novo normal” avesso a heroísmos de hoje -, mas a espinha dorsal vem de exemplos anteriores… vem de um pré-modernismo. Vem de «As Vinhas da Ira» (1940), de John Ford. Ali, sem o apoio de tratados sociológicos, Ford mostrou que, diante do esgotamento dos dispositivos da ficção (frente às bestialidades da vida de carne e osso), um pacto com o Real, ainda que sutil, pode dar uma oxigenada boa no cinema. É uma forma de devolver oxigênio a pulmões inchados pelo gás carbónico da fábula. É isso o que Chloé faz numa América que há muito depende da Marvel e da DC para pagar suas contas cinéfilas. Sua “Terra de Nomadas” não tem vigilantes de uniforme. Aliás, tem só nas telas, quando Fern passa por uma sala de exibição que está exibindo «Os Vingadores» (2012). A ex-professora avessa a uma aposentadoria antecipada, para não morrer de fome pelo baixo soldo à sua espera, ela é vítima de um downsizing económico que leva a sua cidade ao colapso. Sem lar, ela cai nas vias expressas e nas quebradas do mundo, queimando borracha e conhecendo todo tipo de pessoas. A cada encontro vem uma lição que nos comove.
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