Mais do que um regresso á Terra-Média para mais uma aventura vivida entre anões, elfos, orcs, duendes, feiticeiros, águias gigantes e um dragão com um monomania por ouro, esta primeira parte de uma prometida trilogia é antes de mais um projecto comercial, ou seja, a trilogia de O Senhor dos Anéis ganhou 14 óscares e arrecadou nas bilheteiras qualquer coisa como 3 mil milhões de dólares, logo os produtores seriam muito pouco inteligentes se não tentassem explorar ao máximo o universo criado há 80 anos por um professor universitário inglês. O problema para Peter Jackson e os seus comparsas é que o venerando J. R. R. Tolkien só tem uma grande obra – a supracitada trilogia do Anel, porém em 1937 ele escreveu um pequeno livro de aventuras dedicado a uma público mais jovem onde pela primeira vez apresenta como protagonista, um ser baixinho e com pés peludos – um Hobbit, que vive numa agradável toca num paraíso rural conhecido como The Shire, o seu nome é Bilbo Baggins, que não por acaso é o tio de Frodo, o famoso guardião do Anel. O livrinho de Tolkien é assim como uma caça ao tesouro, uma aventura movimentada e com bastante humor, protagonizada por um feiticeiro com muito tempo livre, um relutante e algo medroso Hobbit, e ainda uma trupe de 13 anões. O grupo vai tentar recuperar o tesouro dos anões açambarcado a ferro e fogo por um dragão chamado Smaug. A bem dizer toda a aventura cabia bem num filme de 2 horas e meia, pois a intriga não é assim tão vasta e complexa, porém as receitas de bilheteira assim o exigem, aquilo que podia ser um filme conciso e dinâmico tornou-se gradualmente em três filmes. Mas como o material de base do Hobbit não é exactamente abundante, Jackson e a sua dupla de argumentistas/produtoras resolveram engordar a narrativa com material pedido emprestado a outras obras de Tolkien.
O resultado é uma fita que tarda a arrancar, com uma sequência alongada de festival epicuriano protagonizada por treze truculentos anões, o plácido Gandalf, e um destrambelhado Hobbit, imaculadamente encarnado pelo cada vez melhor Martin Freeman. Os anões e Bilbo acabam capturados por Trolls comilões, porém quase no último momento aparece o Senhor das Barbas que salva toda a gente das bocas dos não muito inteligentes Trolls. Entretanto o grupo começa a ser perseguido por Orcs com muito maus-fígados e encontram o Feiticeiro Castanho, Radagast o Castanho que lhes relata acontecimentos sinistros na floresta. Radagast, que abusa visivelmente dos cogumelos, é no entanto instrumental na fuga do grupo aos Orcs. O grupo entra então no santuários dos Elfos em Rivendell que não perdem tempo a chacinar os aventureiros Orcs. O interlúdio serve para Gandalf levar nas orelhas do seu superior Saruman, o Branco, que não aprecia o seu comportamento com os anões, e também para todos nós reencontrarmos Lord Elrond e a celestial Galadriel, que uma vez mais demonstra o seu afecto pelo jovem Gandalf, jovem quando comparado com ela, claro.
O grupo segue depois rumo ás Montanhas da Neblina, onde assistem a cenas de pugilato entre gigantes de pedra, porém acabam todos capturados por Duendes, que não gostam nada de anões. Bilbo perde-se do grupo e cai numa caverna onde conhece uma singular criatura – um case study em esquizofrenia chamado Gollum, que além de gostar de adivinhas e enigmas parece estar sempre a falar para o seu ‘precioso’. Bilbo não só leva a avante nas adivinhas a Gollum, como lhe surripia o ‘precioso’, que será o McGuffin da trilogia do Anel. O rei dos Duendes revela aos anões aprisionados que os vai entregar a Azog, o chefe Orc que não morre de amores por Thórin, o princípe anão, talvez por este lhe ter cortado um braço em combate. Uma vez mais, Gandalf, que volta e meia gosta de ir arejar sozinho, volta num momento crítico e salva o grupo das garras dos duendes. Segue-se uma escaramuça entre anões e duendes e a sua fuga do interior da montanha. Bilbo escapa a Gollum e reúne-se ao grupo, porém a sua fuga acaba num beco— sem saída onde são cercados pelo Orc vingativo e os seus sequazes. Mas quando tudo parece perdido eis que surge a salvação num bando de águias gigantes que além de fazerem picadinho de Orc, transportam os nossos heróis para a segurança do seu ninho. Algures na montanha dos anões, Smaug o usurpador estremunha no seu sono dourado. Tudo isto acontece em 169 minutos e Jackson não cobriu nem um terço do singelo livrinho.
Como experiência cinematográfica este «Hobbit – Uma Viagem inesperada» fica algo aquém do vigor narrativo da sagrada trilogia, o tom é mais leve mas o universo não tem a mesma força e fascínio de outrora, está lá tudo mas há algo que não funciona completamente. Esse algo é claramente o argumento que em vez de conciso prefere a exposição exaustiva, flashbacks e sequências claramente postiças, mas compreende-se que assim seja se se quiser facturar tanto como nos 3 filmes anteriores. Será que estou a dizer que este é um empreendimento mercenário? Sim e não. Jackson ama claramente as personagens e o seu rico universo, de tal forma que decidiu ser ele e não Guillermo Del Toro a trazer á luz esta aventura. Porém para o fazer teve de fazer concessões a quem paga as contas que compreensivelmente gosta de ver muitos zeros nas suas contas bancárias. Visualmente o filme é envolvente e mesmo fascinante, mesmo com o agora omnipresente 3D, que junta uns milhões às receitas, mas que de facto não adianta realmente muito á experiência. Finalizando, este «Hobbit», apesar das gorduras, consegue conquistar o seu público e decerto será um dos triunfadores de bilheteiras, porém podia ser mais, muito mais.
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº05, Janeiro 2012]
Título origina: The Hobbit: An Unexpected Journey Realização: Peter Jackson. Elenco: Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage, Andy Serkis. Duracão 169 min. 2012 Estados Unidos/Nova-Zelândia
https://www.youtube.com/watch?v=9PSXjr1gbjc