«Guardiões da Galáxia: Volume 3» é o melhor filme da Marvel desde «Avengers: Endgame» (2019) – o estúdio parece finalmente ter terminado a sua travessia pelo deserto criativo. O Universo Cinematográfico ultrapassa uma difícil transição entre sagas e regimes criativos e quem melhor do que um grupo de outsiders para colocar a casa em ordem? Os heróis/guardiões antissistema cresceram na trilogia como também no seio de outros filmes e sagas da Marvel e até tiveram um especial de Natal na Disney+ (com direito a inside joke na cena pós-créditos do filme).
«Guardiões da Galáxia: Volume 3» é uma obra muito consolidada e sem fragilidades num equilíbrio perfeito entre a viagem emocional, a disfuncionalidade, a acção e a amizade destes personagens. É um justo tributo de um conjunto de heróis que fazem do espaço o seu principal palco, curiosamente, as apostas eram altas face ao insucesso desta série em 2014. James Gunn e companhia tinham outras ideias, a sua abordagem de “estou-me nas tintas” para o politicamente correcto e criar uma base de personagens fortes e originais com o equilíbrio acção/emoção foi a chave do sucesso. E tudo regado com grandes malhas – as bandas sonoras destes filmes são épicas. O Volume 3 não é excepção, apresentando uma trip sonora entre os 1990 e os 2000.
«Guardiões da Galáxia: Volume 3» muda ligeiramente o tom para elevar a sua despedida. O início é sombrio num curto flashback que irá pautar os acontecimentos do filme. Ao som da versão acústica de “Creep”, dos Radiohead, os nossos heróis são despertados por Adam Warlock (Will Poulter), personagem que promete ser crucial no universo Marvel. Neste filme, todos os Guardiões têm o seu peso e o seu momento, funcionam como uma equipa que tenta salvar o grande amigo Rocket da morte certa. Em paralelo a esta narrativa fazemos uma viagem às origens de Rocket através dos flashbacks marcados pela amizade, ternura e crueldade. É um filme dentro de um filme que nos parte o coração, são apresentados personagens sonhadores e amigos, à sua maneira, são heróis por acreditarem na bondade e no amanhã. A narrativa salta entre estes flashbacks e o tempo presente, com os Guardiões a fazerem estragos na Galáxia até encontrarem o grande vilão deste filme – O Alto Evolucionário. Aplausos para o toque de Midas de James Gunn na escolha do impressionante Chukwudi Iwuji, uma das performances do filme. O actor personifica um personagem frio e arrepiante, um lunático sem escrúpulos com o complexo de Deus.
A palavra de ordem deste filme é a amizade. O humor e a insanidade desta família derrete os momentos mais sérios. Os diálogos e o cómico de situação são diabólicos e hilariantes onde a estupidez resulta invariavelmente no riso contagioso com a pancada desta malta. É num destes momentos (uma situação de puro caos durante uma missão impossível) que surge em cena o nosso orgulho nacional: a portuguesa Daniela Melchior no papel de Ura, mais uma escolha a dedo de James Gunn. É uma interpretação digna do melhor dos primórdios do cinema em que os seus olhos são o espelho da alma da sua personagem, a sua beleza desconcertante alia-se à intensidade do seu olhar. É uma espécie de toca e foge, mas que deixa marca. Daniela Melchior volta a trabalhar com James Gunn após o seu sucesso em «O Esquadrão Suicida» (2021), o que prova que o realizador, tal como nós, é um admirador do trabalho da actriz portuguesa.
Nesta jornada há várias tramas, ou se preferirem, viagens pessoais para todos os gostos: a lealdade, o espírito de improviso, a ressaca amorosa e a grande lata de Peter Quill/ Star-Lord (Chris Pratt); o pragmatismo da interessante Nebula (Karen Gillan) que vai tendo trejeitos humanos e demarcou o seu espaço; a irreverência da juventude em Groot (voz de Vin Diesel); a gélida Gamora 2.0 (Zoe Saldana) que compreende o espírito de companheirismo dos Guardiões mas não tem tempo para lamechices; a cabeça oca e o coração de ouro de Drax (o carismático Dave Bautista); a empatia como um super poder de Mantis (Pom Klementieff); e Rocket como um poço de inteligência, resiliência e o acreditar na bondade após o inimaginável. Os sidekicks desta aventura também têm o seu momento, casos de Kraglin (Sean Gunn) e Cosmo (voz de Maria Bakalova) que proporcionam uma bela cena de acção e alguns momentos hilariantes entre si.
«Guardiões da Galáxia: Volume 3» é uma lembrança de porque amamos a Marvel há várias décadas. Os heróis têm dimensão e são divertidos, os vilões são tenebrosos, ambos antes de terem poderes conquistam-nos pelo seu carisma e os traços de humanidade, depois vem o resto. No final do dia, a resiliência humana baseada na força da amizade vence todos os males e até converte uns quantos. Este é o ABC de um bom filme de super-heróis, com grandes efeitos especiais, cenários impressionantes, direcção exímia de James Gunn (onde compreendemos tudo o que se visualiza no ecrã) e personagens sempre no coração do filme e dos espectadores. Os Guardiões regressaram para dar um show a todos os fãs e provarem que ainda é possível passar bons momentos na companhia destes super-heróis com histórias simples e emoções palpáveis que cativam, divertem-nos e deixam-nos com a lágrima no canto do olho. O Volume 3 é uma viagem maravilhosa pela galáxia da boa disposição e aventura.
Título Original: Guardians of the Galaxy Volume 3 Realização: James Gunn Elenco: Chris Pratt, Zoe Saldana, Dave Bautista, Vin Diesel, Bradley Cooper, Karen Gillan, Pom Klementieff, Elizabeth Debicki, Sean Gunn, Sylvester Stallone, Will Poulter, Chukwudi Iwuji, Daniela Melchior, Maria Bakalova Duração: 150 min. EUA, 2023