Nunca a regra de menos com menos dá mais fez tanto sentido como agora, aplicada ao universo do cinema de animação. A rotina das produções americanas, marcada pelas narrativas que privilegiam o imbróglio do enredo e a ação descomunal, tem exposto a sua maior fragilidade nessa necessidade de encher o olho e esvaziar a cabeça do espectador. Não é que «Gru – O Maldisposto 3» seja o exemplo mais consumado da tendência, mas ao terceiro episódio os estúdios Illumination começam a evidenciar os seus impasses na manutenção da franchise. Senão vejamos, que parte da história podemos lançar como fio condutor? A do novo vilão, Balthazar Bratt, um ex-menino prodígio do ecrã (na década de 1980) que está decidido a vingar-se de Hollywood e dificultar a vida a Gru? O despedimento deste último, juntamente com a mulher, Lucy, da Liga Anti-Vilões, que lhe provoca uma crise de identidade? A descoberta de que tem um irmão gémeo… loiro e sorridente? As tentativas de Lucy em cimentar a relação “mãe e filhas” com as três crianças de Gru? Ou a zanga dos Mínimos, que não aceitam a resignação do mestre? É muita coisa a acontecer.
Mesmo que o quadro familiar tenha andado sempre a par com as vilanias do protagonista, enquanto característica dos próprios filmes, há um manifesto exagero na multiplicidade de arenas dramáticas em «Gru – O Maldisposto 3». Daí advém que o tempo dedicado a cada um destes pavios narrativos seja muito curto, passando-se de uma cena para outra, literalmente, à medida da execução dos gags. E apesar de tudo, temos o estimado Gru, na voz de Steve Carell (embora não tão deliciosamente maldisposto como nos filmes anteriores). Este é um daqueles casos em que, sendo possível ver a versão original, não se deve menosprezar esse aspeto. Carell criou uma identidade para a personagem que, por muito competente que seja Manuel Marques na dobragem portuguesa, não se pode reproduzir.
Além disso, é preciso reconhecer que, não obstante a baralhada narrativa, há uma coerência dentro deste universo da franchise que não deixa o filme cair no mero absurdo comercial. Não falta essa inteligência humorística que garantiu o sucesso dos outros episódios, aqui espelhada no rasgo do vilão que parou nos anos 1980, ou na hilariante odisseia dos Mínimos. O que falta é tempo para apreciar devidamente esse humor, cujo sentido de construção foi aqui de alguma forma negligenciado. E por falar nos Mínimos, esses continuam a treinar a sua independência em grande estilo, porque está visto que o futuro da Illumination lhes pertence.
Título original: Despicable Me 3 Realização: Pierre Coffin, Kyle Balda, Eric Guillon Elenco: Steve Carell, Kristen Wiig, Trey Parker. Duração: 90 min. EUA, 2017
[Crítica publicada na revista Metropolis nº51, Julho 2017]