Explorar a ideia, velhinha, por sinal, de que lá em cima, por muito que grites, ninguém te ouve. É um pouco por aí a génese desta extravagância minimal de Alfonso Cuarón no espaço. O relato da luta pela sobrevivência de uma astronauta da NASA que numa missão de rotina se vê à deriva pela órbitra juntamente com um colega veterano. Um homem e uma mulher sozinhos no espaço. Ideia romântica, perfeita para um pequeno filme indie, tipo «Moon», de Duncan Jones, mas executado com intenções de blockbuster e efeitos visuais de topo de gama. Mas muito mais do que valorizar a perícia técnica dos efeitos, importa antes sublinhar o maior feito de Cuarón: encetar uma diálogo criativo com as possibilidades do 3D, sobretudo no que toca ao uso de espaço e profundidade. Não é por acaso que a audácia dos longos planos-sequência parece ser revestida por uma vontade cinematográfica honesta, em especial no que toca aos limites do teste da percepção do espetador. Num filme de estúdio como este, um plano de sequência talvez seja um gesto de resistência, uma forma de Cuarón proclamar uma militância por um cinema de entretenimento para adultos, sem recursos a truques baixos explosivos e de fogo artifício, como se no detalhe se jogasse o essencial. E o essencial pode ser uma tentativa de jogar de maneira inovadora com todo o peso do plano subjetivo, quase como se o rosto de Sandy Bullock nem fosse preciso.
Por alguns defeitos que tenha, «Gravidade» nunca poderá ser acusado de não ter um efeito hipnotizante. Um filme que proporciona ao espetador uma experiência sonora e visual a sério. Claro que a dada altura não aguenta o seu tour-de-force inicial – às vezes parece que a sua estrutura narrativa está igualmente em órbitra e que a humanização do personagem de Bullock nunca consegue ser verdadeiramente tocante no que diz respeito à tradição do imaginário da solidão (caramba, era preciso ela estar traumatizada pela tragédia familiar? Não podia ser mais forte dramaticamente e o trauma vir de uma vida normal?!). E aí está também o problema central do filme, o seu ar demasiado engenhoso. Tudo é pensado cientificamente. Apetece dizer que não é Tarkovsky quem quer (e certamente a tradição de Hollywood manda insuflar tudo aquilo de partitura musical que apenas está lá para sinalizar). No espaço, o silêncio é de ouro. Contingências de um espetáculo que é sempre mais eficaz visual do que emocionalmente. Mas é sempre um alívio quando Hollywood ainda tem coragem de mandar cá para fora filmes sobre a respiração do medo. Oram ouçam como ela respira…
Título original: Gravity Realização: Alfonso Cuarón Elenco: Sandra Bullock, George Clooney, Ed Harris Duração: 91 min EUA, 2013
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº13, Outubro 2013]
https://www.youtube.com/watch?v=SHkRKrtoYao