Primeira pergunta de algibeira: se pensarmos no cinema americano dos últimos quinze ou vinte anos, que cineasta podemos escolher como detentor de um universo visual muito particular em que cada cenário parece nascer de uma elaborada “construção de bonecas”, peça a peça, assumidamente artificial e festiva?
A resposta parece mais ou menos segura: Wes Anderson, autor de títulos como «Os Tenenbaums» (2001), «Um Peixe Fora de Água» (2004) ou «Moonrise Kingdom» (2012). Mais ainda: o seu novo e magnífico filme, «Grand Budapest Hotel», sobre os altos e baixos da história de um hotel do século XX, entre os dois conflitos mundiais, parece confirmar tudo isso.
O que nos conduz à segunda pergunta de algibeira: sendo Wes Anderson um dos mais dignos representantes de um cinema americano que, para além dos meios humanos e técnicos à sua disposição, conserva um espírito de intransigente independência, como e onde foi produzido um filme como «Grand Budapest Hotel»?
Pois bem, a resposta é: «Grand Budapest Hotel» foi, em grande parte, rodado na Alemanha, nomeadamente nos lendários estúdios de Babelsberg, resultando a sua produção da associação de entidades alemãs e britânicas.
De facto, podemos dizer tudo isto de outro modo: estamos perante uma celebração universal do cinema como espectáculo de genuínos artifícios que, ao mesmo tempo, sabe elaborar as narrativas mais insólitas e fascinantes sobre a tensão que se estabelece entre as convulsões da história colectiva e os desígnios da cada trajectória individual.
Gustave, o lendário porteiro do Grand Budapest Hotel, magnificamente interpretado por Ralph Fiennes, é uma dessas personagens cujos dramas privados funcionam como espelho ambíguo dos movimentos da história das nações. O que, entenda-se, não faz dele um herói solitário, antes um dos rostos de uma saga colectiva que Wes Anderson encena como um bailado de intermináveis alegrias e angústias, para tal contando com um elenco de luxo e em absoluto estado de graça — além dos nomes citados na ficha, surgem ainda, entre outros, Jude Law, Adrien Brody e Willem Dafoe.
Isto sem esquecermos que o compositor francês Alexandre Desplat volta a compor para Wes Anderson uma partitura que funciona como um verdadeiro comentário interno da própria acção, quer dizer, expondo a expectativa trágica e a ligeireza do humor como dois instantes separados por uma ténue energia vital.
Título original: Grand Budapest Hotel Realização: Wes Anderson Elenco: Ralph Fiennes, F. Murray Abraham, Edward Norton, Mathieu Amalric, Saoirse Ronan. Duração: 99 min. Alemanha/Reino Unido, 2014
[Crítica publicada originalmente na revista Metropolis nº19, Fevereiro 2015]