Cinismo e sinceridade. Receita improvável para o filme mais franco de Stephen Frears. Adaptação de um livro do jornalista Martin Sixsmith, «Filomena» centra-se na história verdadeira do encontro desse jornalista britânico com Philomena Lee, uma senhora irlandesa que cinquenta anos depois tentar saber do paradeiro do seu filho desaparecido e desviado pela casa de freiras onde foi criada. Martin, interpretado por Steve Coogan, relutantemente aceita fazer uma reportagem para um jornal sobre este caso. Aos poucos, torna-se amigo da senhora. Juntos vão até à América onde pode estar a maior pista acerca do filho perdido. Pelo meio, descobrem-se podres de um austerismo da Igreja Católica e esmiúça-se a snobeira intelectual britânica. Mas o que interessa ao argumento de Jeff Pope e do próprio Coogan é o quebrar gelos entre pessoas. O tal lado improvável de dupla na estrada. Se quisermos, um «Fuga à Meia-Noite» com mais convite para um cházinho. Mas não se pense que a direção de Frears segue a previsível forma de “conto edificante”. Não, Frears está mais interessado no sortilégio da troca humana e na forma se expõe a raiz do preconceito de uma sociedade burguesa, neste caso da personagem do jornalista e, por arrasto, do espetador desprevenido. Depois, como road-movie suave, está tudo impecavelmente agrupado: os timings de um humor felizmente seco, as explosões emocionais e as curvas narrativas. Não se trata de ser bem comportado. É outra coisa, como se Frears quisesse ensaiar os procedimentos da comédia dramática perfeita ou o “crowdpleaser” infalível. E, acima de tudo, há um respeito humanista por tudo aquilo, a tal ponto que ficamos a torcer pela demanda de Filomena.
Neste assombro emocional, nem a música fina de Alexandre Desplat, destoa. A ética da realização, sempre em modo de anti telefilme, é de tal modo grandiosa que nos põe em pele de galinha. «Filomena» fala-nos de temas como capacidade de perdoar, tolerância sexual e denúncia sem agenda de tópico. Nesse sentido, diria-se que é um filme de investigação jornalística com coração. Coração rijo, nada mole, avise-se. E é também sem problemas que o seu arco estrutural acaba por se assumir como “filme de atores”. Primeiro, um Steve Coogan de uma contenção revolucionária. A este nível só o vimos em Finais Felizes, de Don Roos. No seu rosto está uma certa Inglaterra moralmente não resolvida. Mas o filme claro que é de Judi Dench, naquele que é sem dúvida o papel da sua vida. Uma criação daquelas que parece feita sob o sopro do milagre. A imperial “grande atriz dos palcos” desce à terra e fica com uma humanidade espontânea, fica “povo britânico”. Sempre com aquela técnica de ator onde num movimento, numa expressão muda de registo com uma naturalidade assustadora. Mesmo que «Filomena» não fosse grande cinema, só para sermos levados pela candura desta mãe coragem já valia a pena irmos de boleia com Filomena…
Título original: Philomena Realização: Stephen Frears Elenco: Judi Dench, Steve Coogan, Sophie Kennedy Clark Duração: 98 min Reino Unido, 2013
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº16, Janeiro 2014]
https://www.youtube.com/watch?v=fr88sVLxVeo