Primavera Romena floresce em San Sebastián
Rodrigo Fonseca
Em cartaz em salas portuguesas há duas semanas, «Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental» («Bad Luck Banging or Loony Porn»), o vencedor do Urso de Ouro da Berlinale 2021, fez o 69º Festival de San Sebastián cair na gargalhada, neste fim de semana, à força da ironia de Radu Jude. A sua projeção foi uma forma de promover a carreira ibérica da longa-metragem romena. Na trama, uma série de advogados, militares e políticos mascarados julgam a difamação de uma professora, cujas peripécias sexuais vazaram na internet. Em agosto, o diretor foi elogiado no Festival de Locarno com outro filme, a curta «Caricaturana», em que aborda a tradição do humor gráfico.
Após o êxito da sua passagem por Berlim e do Urso de Ouro, o diretor de «Eu Não Me Importo Se Entrarmos Para a História Como Bárbaros» (2018) ganhou status de cineasta autor, fazendo jus à tradição de filmes provocativos da chamada Primavera Romena. O termo nasceu em Cannes, em 2007, quando «4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias», de Cristian Mungiu rendeu a Palma de Ouro à Roménia. Ali, foi consolidado um movimento que calcado em dramas sociais e comédias rascantes operacionalizados a partir de uma estética hiper realista, sempre referente à corrupções. Na entrevista a seguir, Jude fala à METROPOLIS sobre a dimensão política do cinema na sua pátria.
A que dimensão cómica o seu cinema se reporta?
RADU JUDE: É da natureza dos povos latinos rir e fazer rir mesmo nas situações mais trágicas. Talvez nós sejamos assim por buscarmos sempre estratégias de sobrevivência. O humor pode não operacionalizar revoluções, mas ele inflama.
Desde o sucesso de «A Morte do Sr. Lazarescu», em Cannes, em 2005, fala-se da Primavera Romena como sendo um dos mais sólidos movimentos do cinema. Mas essa fama ajuda a produzir um filme como «Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental»?
RADU JUDE: Temos um sistema de apoio, na forma de um fundo nacional, mas trabalhamos muito com coprodução. Há 20 anos, seria impossível fazer um filme como esse, por não haver fomento. Há dez anos, as coisas melhoraram, mas, hoje, por uma série de mudanças políticas, o cenário de produção piora de novo. Este filme custou cerca de 1 milhão de euros, na teoria… no papel. Na prática, fizemos por menos, pois foi o que tínhamos. Com solidariedade, filma-se.
Existe um certo preconceito, na seara do dito “cinema de arte”, contra filmes que se apoiam na força da palavra, caso dos seus filmes. Qual é a dimensão estética que o seu cinema dá ao verbo, à fala, ao diálogo?
RADU JUDE: Desde Antonioni, há dois tipos de cinema. Há o cinema da imagem pura, que é o caso de Robert Bresson. E há o caso de um tipo de cinema onde tudo pode virar linguagem na tela. É um ramo que tem em Godard sua figura mais idiossincrática, capaz de incorporar trechos de livros, caricaturas e até cartazes em sua narrativa. Eu tento ficar nessa segunda seara, para ter um “guarda-chuva” maior e usar os diferentes elementos que a vida me dá, sem uma preocupação de pureza.
Há um olhar para a solidão que parece circundar todos os seus personagens, para além da discussão “indivíduo contra o sistema”. É uma solidão existencial. Mas o que ela revela?
RADU JUDE: Gosto do que a solidão pode gerar desde que ela não venha acompanhada do esmagamento económico do sistema sobre nós. É um problema quando o indivíduo é destruído, esmagado. Eu prefiro pensar a condição humana pelas vias da solidariedade.
San Sebastián segue até o dia 25. Até agora, entre os concorrentes à Concha de Ouro já exibidos, o mais elogiado foi «Arthur Rambo», do francês Laurent Cantet. É a história de um escritor ascendente das periferias, de origem argelina, que se torna alvo de um linchamento virtual.
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