O Festival de San Sebastián 69 abriu na sexta-feira, com «One Second», do chinês Zhang Yimou, a luta pela Concha de Ouro de 2021 segue em pleno vapor (e em acalorada reflexão sociológica). «Arthur Rambo» [foto], do francês Laurent Cantet, o seu principal trunfo até aqui, é um estudo sobre a cultura dos cancelamentos, retratada no ambiente do mercado editorial. A vencedora do prémio no passado, a diretora georgiana Dea Kulumbegashvili, laureada em 2020 por «Beginning» (já lançado em Portugal e exibido em muitos países, como o Brasil, via MUBI), é a presidente do júri desta edição, número 69. Mas é curioso notar o desaparecimento do thriller social que levou a Concha dourada de 2019 para o Brasil: «Pacificado». Até esta data a longa-metragem não estreou na sua nação de origem. Essa imersão nas favelas cariocas foi mediada por um olhar egresso da seara indie da indústria audiovisual dos EUA: Darren Aronofsky. O realizador nova-iorquino, vencedor do Leão de Ouro, em 2008, por «The Wrestler» (com Mickey Rourke), badalado internacionalmente por «Cisne Negro» (2010), é um dos produtores da narrativa concebida com a ajuda dos moradores do Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro, dirigida por Paxton Winters. Este é um norte-americano formado em Istambul, há muito radicado no Brasil.
Os produtores brasileiros que foram os seus parceiros nessa empreitada foram Paula Linhares e Marcos Tellechea. E essa empreitada teve uma grande montagem. A edição é primorosa, assinada por Aylin Tinel (e segundo o IMDB, também pelo perito Affonso Gonçalves). O filme até hoje não entrou em circuito no Brasil, tendo passado pela Mostra de São Paulo, de onde saiu com a láurea do júri popular. “Quando estive na Turquia para exibir «A Vida Não é Um Sonho» [«Requiem for a Dream» (2000)], encontrei um americano louro, de olhos azuis, que mais parecia um jogador de futebol e que falava turco perfeitamente, tendo um conhecimento singular da vida na Turquia. Ficamos amigos e eu incuti nele a ideia de que deveríamos, um dia, fazer algo juntos. Quando ele veio para o Brasil e apresentou-me a história de «Pacificado», que construiu com habitantes do Morro dos Prazeres, eu identifiquei um caminho. Havia um filme de samurais ali”, disse Aronofsky à METROPOLIS em San Sebastián, de onde a produção saiu ainda com as láureas de melhor ator (Bukassa Kagengele) e fotografia (Laura Merians Gonçalves).
Na trama, Jaca (Bukassa, em atuação monumental) é um ex-traficante que regressa à favela da qual foi líder no passado, após 14 anos encarcerado, disposto a se reinventar. Na volta, precisa aprender a ser pai de uma filha que nunca conheceu, a adolescente Tati (Cassia Nascimento), e testemunha a queda da sua ex (Débora Nascimento) nas garras do vício.
San Sebastián segue até o dia 25. Neste domingo, o evento confere, diretamente de Cannes, o polémico «Benedetta», de Paul Verhoeven, sobre uma freira milagreira às voltas com um desejo homoafetivo.