‘In The Dusk’: névoas ainda sem lar nas telas
Rodrigo Fonseca no Festival de Cinema de San Sebastián

O Festival de Cinema de San Sebastián chegou ao fim neste sábado, deixando marcas graciosas no imaginário de seu público, como «La Abuela», de Paco Plaza, e «Arthur Rambo», de Laurent Cantet, que podem se tornar sucessos de bilheteria e ímãs de prémios – tanto no evento espanhol – quanto na Oscar season de 2022, a ser iniciada em menos de dois meses. Mas alguns dos títulos mais potentes da seleção de 2020, da maratona cinéfila ibérica ficaram inéditos em circuito, incluindo as atrações mais pop, como «Rifkin’s Festival», de Woody Allen, quanto iguarias autorais, como «In The Dusk», de Sharunas Bartas. Apoiado numa fotografia plúmbea, com seu requintado jogo de luz e cores ao recriar a Lituânia dos anos 1940, essa longa-metragem dói politicamente no peito dos europeus, no seu olhar marejado para o projeto soviético de nação socialista. A léguas de ser considerado um “filme de direita”, ao filtrar partidarismos, esse drama histórico abre um debate sobre a ocupação de terras lituanas pela União Soviética, e outros delitos de Stalin, num mundo que se recobrava da II Guerra. Estamos em 1948 e vemos uma nova microfísica de opressão a instalar-se a partir da vivência de um adolescente. Vivência fraturada pela ameaça de tiros, bombas e fome.

“Existe uma noção muito sólida acerca da existência – e da presença – de Deus entre os povos lituanos que eram adultos durante a II Guerra, pois o país possuía um laço direto com as práticas católicas. Mas fé e religião nem sempre são termos sinónimos, pelo menos não em tempos de combate”, disse Sharunas à revista METROPOLIS. “Meu empenho aqui era enquadrar o que havia de essencial num front frio e coberto de névoas”.

Aos 57 anos, o ator e cineasta é famoso por «Paz Para Nós Em Nossos Sonhos», exibido em Cannes, em 2015. A sua atual longa-metragem tem a brasileira Silvia Cruz entre as suas distribuidoras na Europa. Nos 128 minutos de «In The Dusk», vemos uma Lituânia rural paupérrima, que treme de frio e de medo do jugo soviético. O jovem Unte, de 19 anos, criado pelo dono de uma pequena quinta, vê o seu mundo ruir mais ainda depois que a URSS resolve rebater o movimento de resistência local aos ideais de Stalin. “Venho de um povo que experimentou a brutalidade em vários campos, uma vez que fomos ocupados por alemães, por russos, pela fome”, disse Sharunas. “Não tento nunca dar aulas de História nos meus filmes. Tento apenas partilhar o que vivi”.

https://www.youtube.com/watch?v=9HXXq9R91tU
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