Sorrentino é beleza pura
Rodrigo Fonseca no Festival de Cinema de San Sebastián
Que filme sublime é a nova longa-metragem de Paolo Sorrentino, importada diretamente do Lido para o 69º Festival de Cinema de San Sebastián, onde o diretor vai ministrar uma masterclass: “È stata la mano di Dio”. Trata-se de um hilariante painel dos delírios da Nápoles dos anos 1980, a partir da chegada de Diego Armando Maradona (1960-2020) ao futebol italiano e da decisão de Federico Fellini (1920-1993) em realizar testes de seleção para figurantes de um projeto a ser rodado por lá. Sem medo das patrulhas medievais que hoje castram a cultura, o cineasta por trás de «Juventude» (2015) registra a nudez sob uma mirada afrodisíaca, recriando o passado sob a ótica de um adolescente, Fabietto (Filippo Scotti), que cresce em meio a delícias e decepções da vida. O Grande Prémio do Júri atribuído em Veneza a Sorrentino foi justíssimo. Ele ainda saiu de lá com o Prémio Marcello Mastroianni [Prémio de Melhor Actor ou Actriz Jovem], dado a Filippo Scotti.
Quem interpreta o seu pai, um bancário trapalhão, é Toni Servillo. Ele e Sorrentino levaram um Oscar para a Itália, em 2014, com «A Grande Beleza», que custou €9,2 milhões e faturou US$ 24 milhões, além de arrebatar mais de 59 prémios. Fazendo zapping na “streaminguesfera”, a METROPOLIS encontrou o filmaço de Sorrentino em plataformas brasileiras como a Looke e na Amazon Prime Video. Dele, a Filmin.pt exibe «L’Uomo In Più» (2001), «As Consequências do Amor» (2004) e «Il Divo» (2008), que o consagrou com o Prémio do Júri de Cannes, em 2008. Essas longas fizeram dele um dos maiores expoentes do “Risorgimento”. O termo se refere à onda autoral que vem salvando o (outrora majestoso) cinema italiano da decadência a partir de narrativas não convencionais feitas por uma novíssima geração de diretores na faixa dos 40 ou 50 anos. Matteo Garrone, Luca Guadadnino, Alice Rohrwacher, Laura Bispuri e Paolo Virzì vieram nessa esteira de sucesso dele, cujo lançamento mais recente, «Silvio e os Outros» (“Loro”) não foi exibido no Brasil, após seu acidentado lançamento no Velho Mundo, em 2018.
“Existe o passado e existe a ideia que fazemos do passado, numa representação que, por vezes, é uma fantasia, moldada pelo nosso desejo e pela saudade. Tento trabalhar uma percepção de decadência e de euforia que traduzam o mundo em que vivo e que noto em mutação à minha frente. O trabalho com meu parceiro de set Luca Bigazzi, que sempre fotografa minhas histórias, busca observar toda a energia de um universo de pessoas inquietas”, afirmou Paolo Sorrentino à METROPOLIS no Festival de Veneza de 2019, ao lançar a série «The New Pope», da HBO, com Jude Law e John Malkovich. “Busco o que o cinema ainda preserva de encantatório”.
Previsto para estrear em Itália em novembro, «È Stata La Mano Di Dio» reconstitui a década de 1980, quando o jovem Fabietto Schisa, de 17 anos, engata um processo de amadurecimento, com o sonho de virar cineasta. Ele encontra alegria numa família especializada em celebrar a vida e em uma tia, Patrizia (Luisa Ranieri), que mexe com a sua libido. Um par de eventos alteram tudo no seu dia a dia. Um deles é a chegada triunfante a Nápoles de uma lenda do desporto na época: o ídolo Maradona. O outro é um acidente com os seus pais que pode condenar o seu futuro. Salvo da dor do dia-a-dia pela paixão por Maradona, ele será tocado pelo acaso (ou pela mão de Deus) e engata uma luta contra a inexorabilidade do destino. A requintada fotografia de Daria D’Antonio torna a paisagem à sua frente ainda mais fascinante.
Visto por cerca de um milhão de pagantes na Itália, onde dividiu a crítica por seu excesso de erotismo e de virtuosismo na imagem (sobretudo na direção de arte), «A Grande Beleza» surgiu como uma reação de Paolo Sorrentino à crise económica europeia. Na trama, centrada em Roma, o jornalista Jep Gambardella (genialmente vivido por Toni Servillo), que, na juventude, publicou um romance considerado um marco literário, chega aos 65 anos, escrevendo reportagens sobre a nova realidade cultural de sua nação. Com o peso da idade e do tédio, Gambardella embarca em uma jornada existencial atrás da grandiosidade romana.
Esta terça, no Festival de Cinema de San Sebastián, a sessão de «El Buen Patrón», uma divertida comédia do madrileno Fernando León de Aronoa, com seu divo Javier Bardem (em atuação colossal, digna de Marcello Mastroianni), ofuscou a concorrência, na luta pela Concha de Ouro. Só se fala com mais ardor de um título, entre os concorrentes: «Arthur Rambo», nova longa do francês Laurent Cantet, aclamado por longas-metragens de tónica social como «A Turma» (Palma de Ouro em Cannes de 2008). O seu novo exercício de autoralidade narra a luta de um escritor das periferias parisienses, de origem argelina, que passa de favorito da crítica a alvo de linchamentos virtuais depois de tweets preconceituosos, postados no passado, vazarem nas redes sociais.