Embora sejam celebrados com monumentos e sinal de prestígio, ainda hoje os Descobrimentos e a colonização levantam sérias questões morais e humanas. «Exterminate All the Brutes» é uma série documental e complexa, onde o espectador é confrontado com um conhecimento… que já tem. Esta quinta-feira, em estreia, na HBO Portugal.

Exterminate All the Brutes

Com carta-branca depois do sucesso de «I Am Not Your Negro – Não Sou o Teu Negro» (2016), Raoul Peck escreveu a sua visão da História, e o impacto de «Exterminate All the Brutes» é quase imediato. Peck é argumentista, realizador e narrador da história, a sua, a dos Estados Unidos e a de todos, desde os Descobrimentos aos crimes de ódio perpetuados nos dias de hoje.

O versátil autor avisa logo ao que vem. Além de acreditar que todos possuímos este tipo de conhecimento, lecionado nas aulas de História e celebrado em Museus e outros espaços, Peck defende também a importância da sua leitura individual – nada neutra. Como apoio à série, Peck segue Sven Lindqvist e o seu livro Exterminate All the Brutes, publicado em 1992. Mas inspira-se também em An Indigenous Peoples’ History of the United States, de Roxanne Dunbar-Ortiz, e Silencing the Past, de Michel-Rolph Trouillo. Um trio que é o princípio, mas nunca o fim: é o combustível que ajuda a obra a crescer.

Com armas, palavras e até discursos políticos, a diferença de classes e raças continua a ecoar na atualidade, consolidando linhas de pensamento extremo, que tantas vezes destratam a população negra. Não é preciso recuar muito até encontrar um tiroteio policial ou uma manifestação de ódio, com Peck a focar especialmente os EUA, sem esquecer casos de crescimento da extrema-direita.

«Exterminate All the Brutes» sintetiza a história mundial em três termos: civilização, colonização e exterminação. O autor recorre a imagens de filmes, um deles com Nuno Lopes em destaque, para ilustrar momentos específicos, por um lado, e a própria abordagem feita, através da arte, a esses mesmos acontecimentos. No fundo, é tudo uma fraude: o épico que se contou (passando para segundo plano a crueldade e banho de sangue), a forma como esses factos perduraram no tempo através da escrita e da sua interpretação glorificada e como o preconceito e racismo se estendem até agora. Com um preço alto demais.

A fraude estende-se a «Exterminate All the Brutes». Vemos os bastidores das gravações logo a abrir, com a revelação do faz-de-conta que, por sua vez, está longe de seguir uma lógica narrativa “normal”. Peck viaja no tempo, no espaço e na forma a seu bel-prazer, percorrendo o seu pensamento com imagens, fortalecendo a mensagem para o espectador, que fica desconfortável. Josh Hartnett é um dos habitantes desta realidade não linear, na pele de um dos executores da vontade “branca”, com uma ambição tão cega que não encontra limites. E, tantas vezes, os indígenas são obrigados a ceder as suas terras pela força das armas.

Exterminate All the Brutes

Peck também deixa a lente invadir a sua vida e experiência pessoal. Há inclusivamente histórias da sua infância que procuram, da sua perspetiva, aproximar quem vê de uma realidade próxima, ou totalmente oposta, da sua.

Além de construir a sua experiência, que naturalmente influencia a forma como vê a vida e esta obra, o autor apoia também a narrativa numa analogia funcional e contínua. O sagrado vs. o profano, as armas de fogo vs. os arcos e flechas, os “brutes” vs. a civilização e o certo vs. o errado, assim como a sua inversão. A escravatura é um dos tópicos mais fortes, com a comparação, na época, dos africanos a “animais”, justificando assim a sua suposta inferioridade e transformando-os em propriedade. Os atos então perpetuados tornam-se sufocantes, com um mapa de sangue a espalhar-se à boleia da dita civilização.

À medida que ação é delineada e, ao mesmo tempo, aumentada pela narração de Peck, as linhas de sentido vão-se estabelecendo e tudo se torna mais claro. Ainda que não seja o intuito de Peck ensinar, «Exterminate All the Brutes» revela-se uma lição que ultrapassa a televisão.

Para ver a partir de amanhã, 8, na HBO Portugal.

https://www.youtube.com/watch?v=g37YqLD0BSg

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