A acção de «Estranho Mundo» inspira-se nos épicos relatos das pulp fictions, com os seus audazes aventureiros em incríveis viagens e trips de contornos absurdos, pejadas de acção e aventura. Apesar desse lado cartoonesco e exagerado em torno das proezas dos personagens da nossa história, podemos afirmar que a narrativa a nível emocional/dramático é muito verosímil, nomeadamente no que toca aos conflitos entre três gerações: um pai, um filho e um neto. O conflito presente entre o herói do filme, Searcher Clade (voz de Jake Gyllenhaal), e a ambição do seu jovem filho, Ethan Clade (voz de Jaboukie Young-White), que deseja seguir o seu caminho longe das pisadas do pai cientista. Ethan ambiciona ser como o seu avô, o explorador Jaeger Clade (voz de Dennis Quaid), desaparecido há longos anos numa viagem de exploração. É uma reminiscência da divergência passada entre o próprio Searcher com o seu pai Jaegar, antes do desaparecimento durante a referida viagem. «Estranho Mundo» relata também no seu âmago uma história sobre o significado do legado, será este um sinónimo de continuidade ou inovação? Relembrando que, seja qual for o caminho, é importante que este seja feito de partilha com aqueles que mais amamos.
«Estranho Mundo» é uma caixinha de surpresas, sendo que o ponto de partida é simples: uma comunidade que estava estagnada ao nível da pré-revolução industrial sofre um salto tecnológico que transforma uma sociedade arcaica numa sociedade na era espacial. Mas o recurso raro que alimenta todo esse progresso ameaça ser extinto. Uma investigação liderada por Searcher Clade tem como missão detectar o porquê da escassez da matéria-prima e levará os nossos heróis aos recônditos do seu mundo. É uma viagem inesperada que irá expor o coração do mundo, mas também dos personagens centrais da nossa história.
«Estranho Mundo» abarca no seu subtexto uma mensagem que vai do particular ao geral, focando as relações entre pais e filhos, mas também uma narrativa com contexto global, sobre a importância de defender o mundo que nos alberga. A narrativa é imprevisível e inteligente. Foca-se sobre o mundo que nos rodeia e que merece todos os sacrifícios para preservar em harmonia a Natureza e a vida humana. É uma obra que surpreendente sendo louvável a sua capacidade de não subestimar as audiências e deixar de parte agendas do politicamente correcto para ser livre e desbravar uma grande história sem as amarras das produções feitas em modo de comité. «Estranho Mundo» é fruto da união de vários artesões no seio dos estúdios de animação da Disney, também mesclando a experiência de Don Hall com um argumento vivaço escrito e co-realizado por Qui Nguyen – este último escreveu o argumento de «Raya e o Último Dragão». Em «Estranho Mundo» está muito mais assertivo na escrita e faz verdadeiras maravilhas nos diálogos e numa história que começa simples e se vai tornando complexa, mas sem soluços, em cerca de 100 minutos. O elenco de actores faz um trabalho brilhante para dar vida a estes personagens. É uma daquelas animações onde não conseguimos tirar os olhos do ecrã e tenho dúvidas que consigamos apanhar todos os pormenores em apenas um visionamento. O ecrã enche-se de vida com detalhes deliciosos.
«Estranho Mundo» é uma aventura fantástica da Disney. É o regresso aos grandes filmes de animação da Disney, aqueles que nos deixam boas memórias, relatam histórias que nos entusiasmam e são um escape para os espectadores, contendo um conto moral para todas as idades.
Título original: Strange World Realização: Don Hall, Qui Nguyen Elenco (Vozes): Jake Gyllenhaal, Jaboukie Young-White, Gabrielle Union, Dennis Quaid, Lucy Liu Duração: 102 min. EUA, 2022
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº48, Abril 2017]
https://www.youtube.com/watch?v=eWR42mc0O7o