«O Esquadrão Suicida» é uma mistura entre super-heróis e o Massacre no Texas, onde vencedores de Oscars e canastrões estão lado a lado para nos entreter de forma absurda.
Em «O Esquadrão Suicida» não é só o artigo definido no título que fez toda a diferença nesta reincarnação do esquadrão. O artigo é uma declaração de intenções: estamos a entrar no território de James Gunn, um lugar onde a imaginação é uma constante sem limites. Depois de ter colocado os Guardiões da Galáxia na linha da frente do universo cinematográfico Marvel (criando um fenómeno inesperado de uma equipa considerada de segundo plano), James Gunn teve carta branca para adaptar o que quisesse da rival da Marvel. Na DC Comics apostou numa escolha improvável e a vítima de um filme fracassado («Esquadrão Suicida», 2016). O realizador e argumentista foi ao inferno criativo do cinema DC e tornou-o diabolicamente divertido e delirante.
Há outros exemplos no universo de anti-heróis que seguiram o caminho menos católico – veja-se The Boys, de Garth Ennis ou Wanted e Kick Ass, de Mark Millar. Basta lermos um comic de uma distribuidora menos mainstream que não tem pruídos em combinar o choque da violência abraçado ao humor para entender o conceito. A Marvel sobre a égide da Disney optou por deixar o sangue e a violência de lado e abriu, diria, escancarou as portas criativas para James Gunn no cinema da DC.
A nova equipa de vilões descartáveis da DC tem mais uma missão sem regresso. Eles dirigem-se a uma nação na América Latina que atravessa um golpe de estado e ameaça libertar no mundo uma ameaça alienígena. Os personagens são carne para canhão e embarcam na missão para reduzir a sua pena de prisão. Pensamos nós que se estão nas tintas para os danos colaterais até descobrirmos uma personagem que ilumina a sala, a história e os desígnios da narrativa com o seu coração. A personagem Ratcatcher 2 foi interpretada por Daniela Melchior [foto], a actriz portuguesa foi um sucesso instantâneo e saltou para a ribalta como a maior vencedora deste filme. Ratcatcher 2 é uma heroína portuguesa que viajou do Porto para os Estados Unidos da América à procura de uma oportunidade e acabou no lado errado da Lei. Há sequências filmadas mesmo na Invicta e o pai da personagem (Ratcatcher) foi interpretado por Taika Waititi. O poder de Ratcathcer 2 é controlar ratazanas que demonstram ser muito úteis ao Esquadrão e merecem a sua oportunidade de brilhar perante o lado negro que se abate no mundo. Na realidade consideramos que o poder mais significativo de Ratcatcher 2 é a ingenuidade e a sua bondade que uniu a equipa de anti-heróis fazendo vingar a humanidade versus o cinismo. Daniela Melchior teve um papel, talento e a aposta do realizador para expressar essa doçura melancólica que nos leva a apaixonar e a dar consciência ao filme.
Os personagens deixam todos o seu cunho, parecem terem sido escolhidos à medida dos actores que lhes dão corpo. O que dizer do personagem King Shark, um tubarão à prova de bala que nasceu para ser interpretado pela voz de Sylvester Stallone? O personagem é estúpido, carinhoso e igualmente desconcertante. Ou Polka-Dot Man, que também tem o seu lado emocional e psicótico (bom desempenho de David Dastmalchian), tem um ódio à mãe e vê a mesma sempre à sua volta – as sequências através dos olhos do Polka-Dot Man são deliciosas…
A acção no filme é encabeçada por Idris Elba, John Cena e Margot Robbie, os três actores deixam o ecrã em brasa. Idris Elba provou em «Luther» que é um mestre a criar anti-heróis, John Cena tem um talento nato para criar um anti-Capitão América, interpreta o papel de um imbecil com licença para matar e Margot Robbie, como sempre, tem o seu one woman show. Numa sequência de fuga da prisão, prova ser tão sanguinária quanto onírica. Margot Robbie tem o momento alto do filme onde se aliou destreza e humor à pura beleza visual. A actriz não teve o espaço de representação de «Birds of Prey» (2020), mas sempre que está em cena o resto do mundo parece estar em câmara lenta. Também temos Viola Davis que tem poucos minutos no ecrã mas como cérebro pragmático das operações a actriz está em modo altamente dramático. Não vemos más interpretações num elenco musculado ou alguém que ficou aquém das suas capacidades. E mesmo aqueles que estão poucos segundos no ecrã deixam o ar da sua graça.
James Gunn é muito mais do que um autor de grandes fitas de heróis. Os filmes de Gunn possuem alma, humor, acção e grandes personagens. É um realizador de actores que combina esse factor com o delírio visual. A originalidade saltou para o ecrã como um salmão a subir o rio e traz invariavelmente um sorriso aos espectadores pelo seu humor e inteligência. James Gunn voltou a fazer das suas e o público agradece!
«O Esquadrão Suicida» faz mossa com humor insano, acção hard-core e personagens fantásticos.
Título original: The Suicide Squad Realização: James Gunn Elenco: Margot Robbie, Idris Elba, John Cena, Taika Waititi, Joel Kinnaman, Jai Courtney, Sylvester Stallone, Pete Davidson, Viola Davis, Nathan Fillion, Daniela Melchior. Duração: 132 min. EUA, 2021
https://youtu.be/eg5ciqQzmK0