Parece estranho, mas depois de um período incrivelmente prolífico – em cerca de 3 anos mais de seis filmes, entre eles o surpreendente «Magic Mike» (2012) –, «Efeitos Secundários» poderia mesmo ter sido o último filme de Steven Soderbergh para as salas de cinema. Viu o seu projecto Behind the Candelabra ser recusado pela generalidade dos estúdios por ser “demasiado gay”. O realizador afirmou na época que tinha deixado de ser estimulante trabalhar na indústria de cinema e a sua dedicação e talento iriam virar-se para a televisão e a pintura.

Soderbergh deixa-nos com um filme inquietante que nos faz pensar sobre os nossos limites, sobre o que somos capazes de fazer para manter um certo estilo de vida e sobre a nossa dependência ou fé em relação aos milagres da química farmacêutica.

«Efeitos Secundários», classificado justamente como “thriller psicológico”, flutua na verdade entre diversos géneros. A cena de abertura, por exemplo, é claramente uma referência ao clássico de terror hitchcockiano «Psico» (1960). Num rigoroso movimento panorâmico vemos o que parece um retrato banal/descritivo do que pode ser uma qualquer cidade: amanhece, o trânsito começa a circular. Lentamente a câmara aproxima-se de um prédio, de uma janela em particular, e, subitamente, estamos dentro do apartamento, seguimos as pegadas de sangue inscritas no chão. Entender o que se passou obriga-nos a voltar 3 meses atrás. O resto do filme assenta todo neste jogo de ambiguidades, entre a aparência superficial de normalidade e aquilo que por baixo se esconde.

Emily (Rooney Mara) é a bela e frágil esposa de Martin Tayler (Channing Tatum, na sua terceira colaboração com Soderbergh, «Uma Traição Fatal» (2011) e «Magic Mike») um jovem corrector da bolsa de Nova York que está prestes a sair da prisão depois de cumprir uma pena de 4 anos por corrupção e tráfico de informações. Durante o tempo que Martin esteve na prisão, Emily viu-se obrigada a mudar-se para um pequeno apartamento na cidade, arranjar um emprego e enfrentar o mundo sem a protecção (e o dinheiro) do seu marido. Tanto ela como Martin se esforçam agora por fazer tudo voltar ao normal, o que significa recuperar uma vida luxuosa premiada por grandes casas, carros e passeios de barco ao entardecer. Mas isto pode demorar mais do que Emily é capaz de esperar.

Para Emily, como para muitos à sua volta, a solução mais imediata para curar a frustração e a ansiedade passa pela medicação, o uso de anti-depressivos. Por momentos o filme desenvolve de perto este tema e explora o papel ubíquo que os fármacos ganharam nas nossas vidas. Jonathan Banks (Jude Law), o psiquiatra que acompanha Emily na sua progressiva queda, é o modelo do cientista que confia demasiado no poder de cura pela química. Como se procurasse a variável correcta de uma equação, ele testa na sua paciente diferentes medicamentos, sempre com severos efeitos secundários.

Mas tudo muda quando um desses efeitos secundários nos transporta abruptamente para a cena do crime com que o filme se inicia. A partir daqui nada mais é o que parece, e o espectador deixa-se surpreender ao ritmo alucinante das descobertas que Dr. Banks vai fazendo. Constrói-se progressivamente uma atmosfera cada vez mais saturada onde intriga, conspiração e paranoia atingem picos impensáveis. As interpretações convincentes de Mara e Jude Law nos principais papéis, assim como o modo subtil como Soderbergh (sob diferentes pseudónimos ele é também o editor e o director de fotografia) controla o ritmo com que somos levados a percorrer o complexo labirinto de motivações das personagens, são razões suficientes para não perder esta oportunidade de ver bom cinema.

Título original: Side Effects Realização: Steven Soderbergh Elenco: Rooney Mara, Channing Tatum, Jude Law, Catherine Zeta-Jones, David Costabile. Duração: 106 min. EUA, 2013

[Crítica originalmente publicada na revista Metropolis nº7, Março 2013]

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