Há muitos filmes sobre a II Guerra Mundial, mas poucos conhecem a história de Dunkirk. O filme de Christopher Nolan juntou um elenco com jovens talentos e nomes já reconhecidos como Mark Rylance, Tom Hardy, Cillian Murphy e Kenneth Branagh. Muita intensidade numa história de sobrevivência que foge dos cânones dos filmes sobre guerra, a METROPOLIS apresenta-lhe os principais detalhes.
[Artigo publicado na revista Metropolis nº50, Julho 2017]
História: Na Segunda Guerra Mundial, soldados aliados britânicos, belgas, canadianos e franceses ficam encurralados numa praia em Dunkirk enquanto são atacados pelas tropas alemãs. Em nove dias, mais de 300 conseguiram ser evacuados, num momento inspirador do conflito bélico que ficou marcado como o “Milagre de Dunkirk”.
“Milagre de Dunkirk”
A história de Dunkirk é um dos momentos mais marcantes da II Guerra Mundial, apesar de não ser muito conhecido pela maioria. No início do conflito bélico, o avanço das tropas germânicas era já imparável, obrigando as tropas francesas, britânicas e belgas a ir para a praia em Dunquerque, ficando lá encurraladas, à mercê de ataque iminente. Durante nove dias, de 26 de maio a 4 de junho de 1940, mais de 338 mil soldados foram resgatados através da ajuda de barcos de pesca ou de lazer, que cruzaram o Canal para ajudar a transportar os evacuados para navios maiores. Mais de 800 barcos foram envolvidos nesta arriscada operação, numa grande prova de entreajuda e de sobrevivência.
«Dunkirk» está dividido em três secções, através de diferentes pontos de vista: terra, mar e ar. “Para os soldados que estiveram neste conflito, os acontecimentos tiveram lugar em diferentes espaços temporais. Na terra, alguns ficaram uma semana presos na praia. Na água, tudo aconteceu, no máximo, durante um dia, e, se voasses para Dunquerque, os Spitfires britânicos levavam combustível para uma hora”, explica Christopher Nolan.
Regresso ao passado
«Dunkirk» tem, ainda, uma particularidade. É que ao contrário de muitos filmes que, por diferentes questões, não são gravados nos locais onde a história original se passou, «Dunkirk» foi filmado efetivamente em Dunquerque, em França. Nathan Crowley, designer de produção e colaborador de longa data de Nolan, conta que os dois foram à praia durante a fase de pré-produção e, após alguns dias, tornou-se claro que teriam de gravar ali o filme pois sentiram que “seria respeitoso com a história”. “Houve um dia em particular que demos por nós na praia em Dunquerque, no local real, com navios e aviões reais, a recriar aquela jornada, precisamente 76 anos depois de ter acontecido. Não estava planeado que coincidisse com o aniversário, mas foi um momento inacreditável”, confessa Nolan.
Uma verdadeira experiência cinematográfica
Além de histórias intrincadas, os filmes de Nolan são um verdadeiro espetáculo cinematográfico, em que formatos como o IMAX são aproveitados para elevar, ao máximo, a experiência na sala escura. Desta vez, o cineasta estica ainda mais a fasquia, já que «Dunkirk» foi inteiramente filmado com câmaras de grande formato, com 75% a ser em IMAX. “Julgo que «Dunkirk» representa mesma a culminação de todas essas experiências que tivemos ao longo dos anos com o IMAX, como trabalhar com o formato e como realmente tentar dar ao público a experiência mais visceral que se possa esperar durante duas horas”, refere o cineasta. Além disso, houve uma grande preocupação por se escusar o uso de efeitos especiais, optando-se por filmar, sempre que possível, verdadeiros aviões, barcos e navios de guerra. “Com a tecnologia atual é perfeitamente possível fazer um filme absolutamente rigoroso que seja completamente falso. A escolha passa por usar tecnologias mais de velha guarda”. “O que me cativou muito mais, a mim e aos meus colaboradores, foi ter algo real, em oposição a uma réplica perfeita que não convence”, realça.
O ator Fionn Whitehead destaca que “toda a experiência era para tentar alcançar o medo e apostar puramente no instinto, o que ficou muito mais fácil pela forma como o Chris [Nolan] trabalha. Tudo o que ele faz é tão real. As explosões a rebentar na areia, os Spitfires a voar e milhares de figurantes na praia. É impossível nos pormos no lugar daqueles soldados, mas isto tornou isso mais fácil”. “Não havia tempo para pensar”, acrescenta Harry Styles.
Banda-sonora à prova de fogo
Um dos aspetos essenciais de «Dunkirk» é a moldura musical, que incrementa o clima de tensão, de ataque iminente. Para assumir a árdua missão de conceber uma banda-sonora tão ambiciosa foi escolhido um dos nomes mais sonantes da área atualmente: o compositor alemão Hans Zimmer, vencedor do Óscar por «O Rei Leão» (1994) e nomeado outras nove vezes. Algumas delas deveram-se, justamente, à sua colaboração com Christopher Nolan, como em «A Origem» (2010) e a «Interstellar» (2014). Não obstante, o cineasta teve uma participação ativa na parte sonora, controlando meticulosamente cada passo da obra. “Está tudo nos detalhes”, assinala.
Pouco diálogo, muita intensidade
Este é o argumento menos extenso da carreira de Nolan, apesar de ser “intenso”, como descreve o cineasta, que refere a obra como “muito humana e única”, tratando-se “mais de uma história sobre sobrevivência do que de um filme de guerra”. A obra não tem muito diálogo, como o próprio explica: “A empatia dos personagens não tem nada que ver com as suas histórias. Não quis investir no diálogo, contar a história dos meus personagens. O problema não é quem eles são, quem querem ser ou de onde vêm. As únicas questões que me interessavam eram: ‘Eles vão sair dali? Vão ser mortos pela próxima bomba ou vão ser esmagados por um barco?’”. “A natureza visual da narrativa é algo com que estou entusiasmado. É algo que valorizo nos filmes e na História do Cinema. Sou um grande fã dos filmes mudos”, ajuntou.
Christopher Nolan
O cineasta britânico é um dos principais nomes no panorama cinematográfico, um autor que consegue manter a sua linha mesmo em grandes produções. A sua marca está sempre presente e é inesquecível nas suas obras, com histórias complexas e narrativas nada lineares que suscitam muitas dúvidas aos espectadores – são incontáveis as teorias que rondam na internet sobre os filmes de Nolan.
A sua carreira começou com a curta-metragem «Tarantella» (1989), com a primeira longa-metragem, «Following», a ser lançada em 1998. O sucesso chegaria com o filme seguinte, «Memento» (2000), até hoje um dos filmes mais marcantes da sua carreira, pelo qual recebeu a nomeação para o Óscar de Melhor Argumento Original. Com «Batman – O Início» (2005), Nolan arrancava uma trilogia sobre o Cavaleiro das Trevas, uma das melhores adaptações de filmes de super-heróis. Mas «A Origem» (2010) é, provavelmente, o seu filme que mais deu que falar – até hoje. Através de uma história com vários segmentos temporais e espaciais, com o cenário em três níveis de sonhos e muitos twists, a obra é Nolan em estado puro e garantiu-lhe duas nomeações aos Óscares nas categorias de Melhor Argumento Original e Melhor Filme.
«Dunkirk», porém, é uma aposta “fora de pé” para o cineasta. Trata-se do seu primeiro filme baseado numa história bélica, entrando no território dos filmes de época – algo que já não acontecia desde «O Terceiro Passo» (2006). Nolan volta a assumir a dupla tarefa de realizador e argumentista, desta vez sozinho também nesta função – na maioria dos seus filmes, o seu irmão, Jonathan Nolan, também colabora na escrita do argumento. «Dunkirk», um filme sobre a II Guerra Mundial, é, de facto, uma obra diferente na sua filmografia, como o próprio sublinha: “É algo que não foi propriamente abordado nos meus filmes. Mas Dunquerque é uma história que conheço, obviamente, desde que era um jovem rapaz”. A verdade é que este momento particular da Guerra é particularmente referido nas aulas britânicas, mas não é bem isso que acontece na maior parte do mundo.
A atenção de Nolan para Dunquerque foi despertada quando leu alguns relatos do acontecimento na primeira pessoa, surpreendendo-se depois quando se deparou com o facto de ainda não ter sido abordada pelo Cinema moderno. O cineasta assinala que não seria possível plasmar toda a história num filme, mas a sua pesquisa revelou “um pouco de tudo… caos, ordem, cobardia, nobreza. Está tudo lá”. Apesar de a narrativa se prender com um único local e uma premissa aparentemente simples – os soldados queriam fugir, logo que possível da praia, onde estavam à mercê das tropas germânicas – é claro que a marca de Nolan é inapagável e esperam-se vários twists e alternâncias temporais e de perspetivas: “A minha tentativa é abordar várias experiências essenciais diferentes. A experiência de estar preso numa praia, a experiência de ajudar essas pessoas através de um pequeno barco, a experiência de estar no ar e combater contra as pessoas na batalha aérea que estavam acima delas. Para mim, esses foram os três aspetos que poderia agarrar”.
Galeria de personagens
Nos seus filmes, Nolan colabora, habitualmente, com atores de luxo, muitos oscarizados, como Christian Bale, Anne Hathaway, Michael Caine, Marion Cotillard, Matthew McConaughey ou Leonardo DiCaprio. Desta vez, o foco vai para um conjunto jovem de atores, algo muito pensado e que se encaixa na própria história: “Muitos dos soldados eram miúdos. Queríamos contratar pessoas com aquela idade. Tinham de ser todos britânicos, não íamos fingir que eram americanos”. No entanto, há também vários nomes sonantes em «Dunkirk», como Kenneth Branagh, Mark Rylance, Tom Hardy e Cillian Murphy.
Fionn Whitehead
Depois de ter participado na minissérie «Him», em 2016, Fionn Whitehead estreia-se no grande ecrã com «Dunkirk», em que interpreta Tommy, que “representa um jovem soldado comum em Dunkirk”. “Ele é muito jovem, sem experiência e que provavelmente não sabia no que se estava a meter”.
Jack Lowden
Jack Lowden tem uma carreira mais composta, tendo começado na série «Being Victor», em 2010, participando, ainda, na série «Guerra e Paz», em 2016, e em filmes como «Um Reino Unido» (2016) e «Negação» (2016). Em «Dunkirk» interpreta Collins, um militar que sobrevoa a região com outros pilotos, a quem foi pedido “para dar alguma cobertura aos soldados que estavam encurralados nas praias, bem como aos barcos civis que cruzavam o Canal para tentar evacuá-los”.
Tom Glynn-Carney
Após se ter estreado enquanto ator na série «Casualty», em 2013, e ter participado na série «The Last Post», em 2016, Tom Glynn-Carney, em «Dunkirk», interpreta o papel de Peter, que viaja no barco do seu pai, que acata o pedido de Winston Churchill para cruzar o Canal e ajudar a salvar alguns dos soldados presos na praia.
Harry Styles
Um dos elementos da muito famosa banda One Direction, Harry Styles tem a sua grande estreia enquanto ator em «Dunkirk», em que dá vida a Alex, que, juntamente com Tommy, é um jovem soldado que tenta sobreviver a todo o custo, ajudando-se mutuamente.
Mark Rylance
Um renomado ator britânico de teatro, Mark Rylance alcançou o estrelato também no Cinema ao fazer o Óscar de Melhor Ator Secundário por «A Ponte dos Espiões», (2015), de Steven Spielberg. Em «Dunkirk», Rylance interpreta o papel de Dawcett, pai de Peter, tomando a decisão de tentar salvar o maior número de soldados possível das praias de Dunkirk. O personagem passa a maior parte do tempo a comandar o seu pequeno barco e foi mesmo Mark Rylance quem realizou a tarefa durante os dias de filmagens.
Tom Hardy
É o terceiro filme em que o britânico Tom Hardy e Christopher Nolan trabalham em conjunto, após «A Origem» (2010) e «O Cavaleiro das Trevas Renasce» (2012) e o ator garante que confia totalmente no cineasta, estando disposto a aceitar qualquer oferta que ele proponha: “Mesmo se ele quiser filmar uma curta-metragem no seu jardim, sei que vai ser bom e que vou aprender alguma coisa”. Foi justamente com «A Origem» que Hardy saltou para a ribalta, dando um novo ritmo a uma carreira que começou em 2001 na minissérie «Irmãos de Armas». «Locke» (2013), «Lendas do Crime» (2015) e «Mad Max: Estrada da Fúria» (2015) foram algumas das produções que protagonizou, destacando-se «The Revenant: O Renascido» (2015), que lhe valeu a nomeação para o Óscar de Melhor Ator Secundário.
Cillian Murphy
Cillian Murphy participa pela quinta vez num filme de Christopher Nolan, após «A Origem» e a trilogia Batman e refere que as melhores memórias que tem em trabalhar com o cineasta são pelo seu trabalho “muito envolvido, intensamente focado e extremamente focado”. O ator irlandês conta que o seu personagem “é representativo de algo experienciado por milhares e milhares de soldados, uma ferramenta profunda aos níveis emocional e psicológico que a guerra consegue ter no indivíduo. Conhecemo-lo quando é resgatado pelo Moonstone, um dos barcos civis que cruzam o Canal para evacuar soldados em Dunkirk. É alguém que sobreviveu a uma experiência horrível e a quem lhe simplesmente é dito: ‘Na verdade, vamos voltar para trás’”. O ator refere que espera que o filme “leve as pessoas numa jornada entusiasmante e visceral, mas que, em última análise, sejam movidas pela história que ancora tudo. No fundo, é um filme sobre coragem, sobrevivência e o triunfo do espírito humano”.
Kenneth Branagh
O multifacetado Kenneth Branagh tem já uma carreira longa, destacando-se como ator, argumentista e realizador. São já cinco as nomeações para os Óscares, entre as quais Melhor Ator Principal e Melhor Realizador por «Henrique V» (1989). Branagh será responsável por uma das estreias de 2017, «Murder on the Orient Express», mas, antes disso, ainda há lugar para «Dunkirk», em que dá vida a Bolton, “uma mistura de algumas das pessoas reais que estavam nas praias de Dunquerque, sendo responsável pela organização da logística. Por isso, o Bolton carrega uma enorme responsabilidade e tem que manter-se calmo e garantir o maior controlo possível em condições imprevisíveis e extremamente perigosas”. “Em conversa com o Chris [Nolan], percebi que o Bolton é um personagem que tenta remover qualquer reação emocional perante a enormidade da situação, apesar de ser exatamente a pessoa que quereríamos que estivesse a liderar porque é prático, pragmático, duro, mas também compassivo”, assinala.
Sobre o acontecimento em si, Branagh refere que, enquanto irlandês, tinha ouvido muitas vezes a expressão “Espírito de Dunkirk”, “mas só percebi o que significava quando comecei a saber mais sobre a II Guerra Mundial. Tem que ver com não desistir, independentemente das probabilidades. Uma nação inteira uniu-se num esforço de um resgate épico, perigoso e impossível para trazer para casa alguns dos 400 mil soldados encurralados em terras ocupadas pelos inimigos. Esse espírito transformou uma derrota potencialmente catastrófica num “milagre de libertação”, como Winston Churchill lhe chamou.
Nolan considera que “as pessoas que conhecem a história de Dunkirk podem ficar surpresas pela intensidade da experiência. É uma história com muito suspense e tentamos mesmo fazer-lhe justiça. O ritmo é implacável, a história e as cenas de ação são extraordinariamente intensas”. “Estamos a tentar fazer algo imediato, acessível e, esperamos, intemporal”, conclui.