Não deixemos de sentir, em «Diálogos Depois do Fim», uma sensação de filme de encomenda, mesmo com a percepção de que Tiago Guedes tem oscilado entre o realismo («Os Restos do Vento»), o romantismo («A Herdade») e a teatralidade («A Tristeza e Alegria da Vida das Girafas»). Nesta adaptação da obra predileta de Cesare Pavese, “Diálogos com Leucó”, tudo se presta a uma instalação que ecoa pela tela e funciona como um exercício da sua execução, mais do que propriamente o seu resultado cinematográfico. Porém, mencionar “cinematográfico” neste caso soa-nos cínico perante as intenções declaradas deste projeto: a transcrição dos 27 diálogos paveseanos numa série televisiva. O filme, apresentado, resolve-se numa construção frankensteiniana dessas mesmas partes, dando a ideia, e mais do que interessante, de que nos deparamos com um filme geométrico cujas peças são descartáveis e adaptáveis. Por outras palavras, é a construção lúdica que transforma “Diálogos Depois do Fim” num filme que pode ser construído numa outra estrutura do que a originalmente concebida (se é que possui tal espinha dorsal?), sendo algo distinto mas preservando a sua essência. Cada um faz o seu filme, como parece ter sido o mote, visto que na sua apresentação no Festival de Roterdão, o próprio festival selecionou os episódios e idealizou a sua metragem dialogante, já a versão que nos chega às salas de cinema é outra. Portanto, o projeto dialoga com as suas partes, o total será exibido em pequena tela, a tal instalação transmutadora. A esta altura, o leitor questiona-se do que realmente se trata deste novo trabalho de Tiago Guedes, e possivelmente, desconhecendo a obra de Cesare Pavese, olhará para tudo isto como um capricho performativo, onde um conjunto de atores [39 atores no total] e uma equipa partem para os Açores para encenar os diferentes “diálogos”, a extração de entidades mitológicas, heróis e poetas, deuses e mortais, que se debatem entre si sobre temas que tanto fascinaram o escritor neorrealista. Entre a existência humana, morte e vida, crime e castigo, consciência e moralidade, tertúlias e o esmiuçar nas paisagens das tais ilhas vulcânicas, tal como indicado, proporcionam uma sensação de eternidade, o mito, esse, aqui desconstruído e com essa forma desmontada e montada novamente, nunca negando a sua natureza enquanto tal, o mito, porque é no desconhecimento que renasce. É através deles que encontramos as respostas encriptadas daquilo que nos paira e que não compreendemos de todo. Quanto ao filme, «Diálogos Depois do Fim» é um eloquente exercício de interpretação de texto.
Título original: Diálogos Depois do Fim Realização: Tiago Guedes Elenco: João Pedro Mamede, Maria do Céu Ribeiro, Isabel Abreu, Adriano Luz, Rita Cabaço, Joana Ribeiro, Miguel Borges, João Pedro Vaz. Portugal, 2023
https://vimeo.com/913284258