A propósito dos remakes de filmes, que ao contrário do que muita gente possa pensar não são uma novidade dos últimos 25 anos, o velho mestre americano John Huston dizia que os únicos remakes interessantes são os de filmes falhados. Ele sabia do que falava pois o seu filme de estreia, o influente e celebrado «Relíquia Macabra» («The Maltese Falcon») era de facto a terceira vez que Hollywood se dedicava a adaptar ao grande écran o romance de Dashiell Hammett. Os outros dois filmes, a versão de 1931, e «Satan Met a Lady», de 1936, são hoje pouco mais do que curiosidades para cinéfilos e exegetas das raízes do film noir.
E que é que tudo isto tem a ver com o Desafio Total, poderá exclamar o leitor com pouca paciência para divagações cinéfilas. Directamente não tem nada, mas este remake de um filme de sucesso dos anos 90 enquadra-se perfeitamente na teoria de Huston sobre os remakes.
Adaptado do conto de Philip K. Dick, ‘We Can Remember it for You Wholesale’, o Total Recall de 1990 foi dirigido de modo brilhante pelo efervescente Paul Verhoeven que retratou um mundo futuro, tecnologicamente avançado mas espiritualmente vazio. Neste mundo não exactamente sedutor, Douglas Quaid, um pacato operário casado com uma mulher claramente fora da sua divisão, decide um dia viver uma vida de sonho através dos serviços da Rekall, um empresa capaz de inserir na mente dos seus clientes memórias de algo que eles sempre desejaram ter vivido. As coisas não correm exactamente como o esperado e Doug dá consigo a experimentar recordações de um combate contra a tecno-ditadura que rege a Terra e a sua colónia de Marte. O filme foi um sucesso e consolidou as carreiras do realizador e das suas duas estrelas, Schwarzenegger e Sharon Stone.
Vinte e dois anos depois, Len Wiseman – o autor da trilogia Underworld, pega no texto original e elabora um filme mais adequado aos gostos das audiências modernas. Ou seja, há muito fogo de artifício digital, muita correria e fusilaria, porém tudo isso banaliza a vertente sócio-política do conto de Dick. Há que dizer que o argumento é bastante mais fiel á letra do texto original do que a fita de Verhoeven, porém isso não traz grande vantagem, pois Wiseman dilui tudo num preparado pré-digerido para uma audiência que parece deliciar-se apenas com os artifícios da fancaria digital. A intriga central é idêntica, Quaid é um herói da resistência que redescobre o seu verdadeiro eu. Porém Colin Farrell, apesar de dinâmico parece completamente secundarizado pela sua falsa esposa, a cativante vilã Kate Beckinsale, que aqui tem alguns dos melhores momentos do filme.
Será por ser casada com o realizador? Humm! Quanto á pobre Jessica Biel como verdadeiro interesse romântico, a pobre não convence como alternativa a Beckinsale ou mesmo como guerrilheira da liberdade.
Enfim, apenas mais um thriller futurista com mais olhos do que barriga, um remake desnecessário que revela claramente os seus objectivos puramente comerciais.
Edição em DVD
A edição de luxo em Blu Ray e DVD de Total Recall possui três discos (dois BD e um DVD), está recheada de tudo o que precisamos de saber sobre esta super produção de ficção cientifica.
Len Wiseman é um adepto de uma boa edição em DVD/BD, não perde um comentário áudio e sublinha a importância dos mesmos (bem-vindo ao clube!). No primeiro disco comenta o filme na versão “director´s cut”, que tem menos 7 minutos do que a versão estreada em sala. O comentário é cuidadoso e pormenorizado com informação da produção e detalhes de realização. Ainda no primeiro disco vem o melhor extra da edição – “Total Recall Insight Mode”, uma forma de visualizar o filme com janelas de informação (uma em texto e outra no formato making of). Esta possibilidade permite descobrir o trabalho e os segredos de várias componentes cinematográficas com pormenores sobre os cenários, a construção da banda sonora e inúmeras curiosidades.
O segundo disco é essencialmente composto por featurette´s. Iniciamos com as Sequências de pré-visualização, com a duração de vinte e cinco minutos, são cinco momentos chave do filme que respeitam o que mais tarde surge em cena quer em termos de posicionamento dos actores, evolução da acção e os ângulos de câmara.
O “Gag Reel” é digno de menção, pela sua duração e montagem, não só trabalhou-se no duro como houve boa-disposição à mistura.
Em “Science Vision versus Science Fact”, um professor de metafísica cruza os eventos do filme com a plausibilidade destes existirem no futuro, sejam eles carros voadores, robots com capacidade de reprodução, hologramas e imagens tridimensionais,
Em “Design The Fall”, a inspiração e a criação do conceito do elevador que atravessa a crosta terrestre.
Em “Total Action”, pequenas featurette´s dedicadas à preparação física de Colin Farrel, às acrobacias de Jessica Biel, a preparação de uma sequência de acção e a utilização das “supersliders” (câmaras de alta-velocidade) e a primeira vilã de Kate Beckinsale. Jorge Pinto
Título original: Total Recall Realização: Len Wiseman Elenco: Colin Farrell, Kate Beckinsale, Jessica Biel Duração: 118 min EUA, 2012
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº6, Fevereiro 2013]