CUSTÓDIA PARTILHADA

CUSTÓDIA PARTILHADA

E se o cinema de realismo social se encontrasse com o cinema de género? Numa definição rápida e descomplicada, podemos dizer que é mais ou menos esta a proposta da primeira longa-metragem do francês Xavier Legrand, conquanto nada aqui se jogue numa lógica de movimentos bruscos. «Custódia Partilhada» segue a obscura situação de um divórcio que chegou à fase do processo em que deve ser decidida a tutela dos filhos do casal. Começamos por perceber que a mulher quer para si a custódia integral (refere-se apenas ao filho menor, uma vez que a filha mais velha está prestes a completar 18 anos), alegando episódios de violência doméstica. O ex-marido, sempre em negação de tais denúncias, reafirma o seu direito de ver o filho – mesmo que este, numa carta escrita à juíza, afirme que não quer ter nenhum contacto com o pai… De que lado está a verdade? Legrand trabalha a dúvida de forma exemplar neste início do filme, e deixa-nos com ela durante algum tempo.

Logo depois ficamos a saber que foi concedida ao pai uma autorização legal para ficar com o filho aos fins-de-semana. Aqui a câmara de Legrand vai acompanhar, como uma lente que busca a pulsação de cada momento, todos os gestos que transparecem a verdade daquele quadro familiar (porque é que a criança evita o pai, que se mostra tão atencioso? Será pura manipulação da mãe?). E fá-lo pacientemente. Mais do que um simples exercício de descodificação, este é um filme de subtil labor cinematográfico. Interessa observar o modo como aquelas personagens gerem a sua angústia individual, e como nós, espectadores – que estamos na mesma posição de uma vizinha que vê ou ouve tudo, e tem decidir se liga à polícia ou fica no seu recato – sentimos o terror subterrâneo que define a conjuntura. Sim, terror é a palavra. Mas não se trata de “técnica de susto”. O terror que molda este «Custódia Partilhada» funciona como uma tensão que lentamente vai tomando conta de nós, na mesma medida em que – tal como acontece numa cena do filme – a filha mais velha do casal, na sua festa de aniversário, canta desfeita em lágrimas em cima palco sem que quem a ouve se aperceba…

Acima de tudo, «Custódia Partilhada» é um filme que, sustentando um tema, não se deixa limitar por ele. Aqui está um cinema que mexe com o corpo, com o nosso próprio medo enquanto seres sociais, e que decifra o complexo jogo das aparências de todos os dias. Com esta primeira longa-metragem, que lhe valeu o Leão de Prata em Veneza, Xavier Legrand, realizador e argumentista, impõe-se como um nome a seguir atentamente.

TÍTULO NACIONAL: Custódia Partilhada TÍTULO ORIGINAL: Jusqu’à la garde REALIZADOR: Xavier Legrand COM: Léa Drucker, Denis Ménochet,
Thomas Gioria ORIGEM: França DURAÇÃO: 93’ ANO: 2017