A Islândia é uma terra que no nosso imaginário ainda nos parece longínqua. Mas tem vindo a conquistar-nos seja através da música dos Sigur Rós, seja através das incríveis paisagens presentes na popular série «A Guerra dos Tronos» – ou mesmo no filme «A Vida Secreta de Walter Mitty» (2013). No entanto estas paisagens possuem mais histórias para contar,
«Carneiros» é uma delas, divertida e comovente.
Neste filme acompanhamos a vida de dois irmãos, Gummi (Sigurður Sigurjónsson) e Kiddi (Theodór Júlíusson) que vivem num remoto vale na Islândia. São criadores de ovinos e apesar de viverem lado a lado não se falam há mais de 40 anos, apenas trocando mensagens através de um cão-pastor. O rebanho é o centro não só da vida destes dois irmãos, como também de toda a comunidade presente e retratada no filme de Grímur Hákonarson. São as ovelhas e carneiros que regem o dia-a-dia da população, a sua sobrevivência, protegendo-a do enlouquecimento e solidão causados pelo isolamento. Sem os rebanhos a população fica perdida, por isso quando, de repente, aparecem ovelhas contaminadas com “scarpie” (doença neurodegenerativa fatal), a tragédia abate-se sobre a pequena comunidade de criadores, uma vez que todos os animais têm de ser abatidos e tem de se esperar um período de dois anos para voltar a ter um novo rebanho. A certidão de óbito foi assinada a esta comunidade. Os irmãos, cada um à sua maneira, vão tentar salvar as suas preciosas ovelhas, revelando desta forma o profundo laço que os liga aos animais e à sua maneira de viver.
Grímur Hákonarson constrói um filme simples e sincero sobre a relação tocante entre Gummi e Kiddi, e destes com os seus rebanhos. Explora os sentimentos em episódios cómicos e comoventes, mostrando que o ser humano precisa de manter relações para sobreviver, mesmo que sejam com o gado ou com o odiado irmão. Todas estas emoções, sentimentos são realçados pelo jogo de planos que ocorrem na película. Nos planos gerais podemos ver a beleza natural do vale, as quintas ao longo das estações, o que acentua, principalmente no inverno, o isolamento a que estão sujeitos, presos em muralhas de gelo. Em planos médios ou mesmo aproximados observa-se como as personagens muitas vezes se confundem com a natureza ou com as próprias ovelhas, sobretudo Gummi quando abraça as suas ovelhas e só se vê uma amálgama de barba e lã. E é também nestes momentos, quando a câmara se aproxima, que assistimos à representação magnífica dos atores: a tristeza e silêncio que Gummi carrega no olhar ou o desespero visceral nos gestos de Kiddi, tornam vãs as palavras.
Tudo em «Carneiros» parece simplesmente perfeito, pois o realizador islandês conseguiu equilibrar de forma esplêndida a linguagem técnica com o contar de uma história e trabalhar a tristeza e a solidão quotidianas, fugindo a qualquer tipo de lamechice. Tudo é autêntico, por isso nos entregamos por completo a este filme com ovelhas.
Título original: Hrútar Realização: Grímur Hákonarson Elenco: Sigurður Sigurjónsson, Theodór Júlíusson, Charlotte Bøving. 93 min. Islândia, 2015
*Com o confinamento a prolongar-se, a Medeia Filmes, em colaboração com a Leopardo Filmes, continua a sua programação regular on-line, com duas “sessões” semanais da “Quarentena Cinéfila – Raridades”, que entrará a 1 de Março na sua III fase, levando o cinema à sala dos/as espectadores/as, em streaming gratuito, no seu site: www.medeiafilmes.com
«Carneiros» disponível a partir das 12:00h do dia 11 de Março até às 11:59h do dia 15