A segunda longa-metragem de Matt Ross no papel de realizador (e argumentista) fez a sua estreia em Sundance no início deste ano, mas foi em Cannes que recebeu o primeiro reconhecimento do seu potencial, com o prémio Un Certain Regard para Melhor Realizador. Mais conhecido pelas suas personagens de «American Horror Story» e «Silicon Valley», e por pequenos papéis em filmes como «American Psycho», «O Aviador» e «A Outra Face», Ross poderá ter aqui o seu bilhete dourado para competir noutras categorias.
Até agora, «Capitão Fantástico» venceu alguns festivais de cinema americanos e já existem rumores quanto à nomeação de Viggo Mortensen para Óscar de Melhor Ator, mas concorde-se ou não com a temática, este filme espelha uma realização supercompetente, uma direção de atores imbatível, uma fotografia notável, uma banda sonora irrepreensível e um elenco que deixará marcas no coração de todos.
Dizer que se trata da história de uma família “diferente” é muito redutor face ao carisma de um filme que, a par de outros como «Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos», nos leva numa verdadeira viagem emocional sobre o que faz de nós humanos. Com as nossas falhas e sempre convictos de que estamos a fazer o correto, o que fazer quando o mundo onde estamos integrados não nos compreende e não entende a nossa linguagem?
Para facilitar o trabalho dos atores, Ross colocou o elenco num boot camp, com aulas de ioga, treino de combate, aulas de música e até workshops de como preparar cadáveres de animais (no filme vai perceber porquê!). Viggo Mortensen foi ainda mais longe e chegou algumas semanas mais cedo às filmagens para plantar o jardim que se vê no filme e para viver no local. Com esta preparação, Ross conseguiu arrancar uma performance exímia de Mortensen e ofereceu ao mundo um conjunto de novos atores que certamente darão que falar no futuro. Frank Langella aparece por breves momentos, os suficientes para nos relembrar o seu enorme talento.
Quanto à premissa do filme, Ben (Mortensen) é um pai de seis filhos que escolhe criá-los à margem do que a sociedade entende como uma educação “convencional”. Ele ensina-os a caçar e a meditar, a ler sobre física quântica, treina-os para enfrentarem a Natureza e as calamidades do mundo e, sobretudo, incita-os a pensarem por si próprios, mas depois da morte da sua esposa, esta família é exposta ao universo dos comuns e as suas diferenças acentuam-se. Numa road trip de sentimentos, Matt Ross coloca-nos uma questão fulcral na consciência: afinal, quem está certo? Em qual das posições nos revemos?
Numa altura em que a Humanidade está a ser questionada sobre os seus valores, sobre como chegámos aqui e como deveremos avançar, «Capitão Fantástico» é um convite para pararmos e pensarmos. Não existem fórmulas 100% perfeitas e é o respeito pela diferença que nos eleva enquanto seres. Temos todos a aprender com o universo que nos rodeia e todos têm direito às suas escolhas, mas existe uma beleza incontornável em saber fazer parte do todo, mantendo a individualidade.
«Capitão Fantástico» é sobre a parentalidade, sobre a educação, sobre a diferença, sobre a morte e sobre a vida, mas é também, e acima de tudo, um dos filmes mais belos do ano e um dos mais tocantes dos últimos tempos.
Título original: Captain Fantastic Realização: Matt Ross Elenco: Viggo Mortensen, Frank Langella, Kathryn Hahn, George MacKay Duração: 118 min EUA, 2016
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº42, Setembro 2016]